quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Aquela voz - Ítalo Calvino


"Aquela voz certamente vem de uma pessoa única,inimitável como qualquer pessoa,porém uma voz não é uma pessoa,é algo de suspenso no ar,destacado da solidez das coisas.Também a voz é única e inimitável,mas talvez num outro modo diferente da pessoa:poderiam voz e pessoa ,não se parecer.Ou então assemelhar-se de um modo secreto, que não se vê á primeira vista: a voz poderia ser o equivalente daquilo que a pessoa tem de mais oculto e de mais verdadeiro.É um você próprio sem corpo que escuta aquela voz sem corpo?Então que você a escute de fato ou a relembre ou a imagine,não faz diferença.
Contudo,você quer que seja o seu próprio ouvido a perceber aquela voz,portanto o que o atrai não é somente uma lembrança ou uma fantasia mas a vibração de uma garganta de carne.Uma voz significa isso: existe uma pessoa viva,garganta,tórax,sentimentos,que pressiona no ar essa voz diferente de todas as outras vozes.Uma voz põe em jogo a úvula,a saliva, a infância,a pátina da existência vivida, as intenções da mente,o prazer de dar uma forma própria ás ondas sonoras.O que o atrai é o prazer que esta voz põe na existência - na existência como voz - , mas esse prazer o conduz a imaginar o modo como a pessoa poderia ser diferente de qualquer outra tanto quanto é diferente a voz."

( trecho do conto Um Rei à Escuta do livro Sob o Sol-Jaguar - Ítalo Calvino )

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