domingo, 20 de março de 2016

O Bigode - Emmanuel Carrère


"Era a primeira vez que dormiam separados : suas brigas, quando as tinham, aconteciam no leito conjugal , como o amor, e não eram diferentes destes . Esta separação noturna perturbava-o ainda mais do que a má fé hostil demonstrada por Agnès. Perguntava-se sse ela viria procurá-lo, para fazerem as pazes, se aconchegar nos seus braços, acalmá-lo e se deixar acalmar por ele , dizendo: "acabou,acabou", repetindo durante muito tempo, até que ambos dormissem , e aí acabaria realmente.

(...)

Dócil, sem pedir explicações, ela interrompeu o gesto. Depois, conversaram, apertados um contra o outro sob as cobertas, até de manhã. Ela disse, mas ele já sabia, que ela não o enganava. Jurou, e ele respondeu que ela não precisava jurar, que ele sabia disso, mesmo se essa espécie de atitude fosse hábito dela. Hábito dela, sim, mas não com ele, não desse jeito, não dessa vez, era preciso que ele acreditasse nela, que ela acreditasse nele. É claro que eles acreditavam, acreditavam um no outro realmente, mas então acreditar em que? Que ele estava ficando louco? Que estava ficando louca? Apertavam-se ainda mais, ousando dizer isso, lambiam-se , sabiam que era preciso não parar de fazer amor, de tocar-se , sem o que não poderiam mais acreditar um no outro, nem mesmo conversar. Pela manhã, se se separassem , tudo poderia recomeçar, certamente recomeçaria. Eles fraquejariam , necessariamente , duvidariam de novo um do outro. Ela disse que à primeira vista tudo aquilo parecia impossível, mas que talvez fosse uma coisa que  acontecesse de vez em quando. Acontecia a quem? A ninguém, não conheciam ninguém, nunca ouviram falar de ninguém a quem tivesse acontecido de crer que usava bigode ou que não usasse.
Ou então, ela se corrigiu, de acreditar que o homem a quem se ama não usasse e que usasse. Não, nunca se ouviu falar disso. Mas isso não era loucura, não estavam loucos, devia ser um estado passageiro, uma espécie de alucinação, talvez o princípio de uma depressão nervosa. Vou consultar um psiquiatra, disse ela. Por que você? Se alguém está afetado, disse ele, sou eu. Por quê? Porque os outros pensam como você, também acreditam que nunca usei bigode, então sou eu que estou pirando. Vamos os dois, ela disse, beijando-o. Talvez, no fundo, seja um troço comum, corriqueiro. Você acha mesmo? Não. Eu também não. Eu te amo. E repetiram-se que se amavam, que acreditavam um no outro, que tinham confiança um no outro, mesmo se aquilo fosse impossível, que mais repetir além disso?"