domingo, 7 de julho de 2019

Maria dos Prazeres - Gabriel Garcia Márquez


"Maria dos Prazeres havia conhecido muitos homens como aquele, salvara do suicídio muitos outros mais atrevidos que aquele , mas nunca em sua longa vida tivera tanto medo de decidir. Ouviu-o insistir sem o menor indício de mudança na voz:
_Subo?
Ela afastou-se sem fechar a porta do automóvel e respondeu em castelhano para ter certeza de ser entendida.
_Faça o que quiser.
Entrou no saguão mal iluminado pelo resplendor oblíquo da rua e começou a subir o primeiro trecho da escada com os joelhos trêmulos , sufocada por um pavor que só acreditava possível no momento de morrer. Quando parou na frente da porta do apartamento , tremendo de ansiedade para encontrar as chaves na bolsa, ouviu a batida sucessiva das duas portas do automóvel na rua. Noi, que havia se adiantado, tentou latir. "Calado", ordenou ela com um sussurro de agonia. Quase em seguida sentiu os primeiros passos nos degraus soltos da escada e temeu que seu coração fosse arrebentar . Numa fração de segundo voltou a examinar por completo o sonho premonitório que havia mudado sua vida durante três anos e compreendeu o erro de sua interpretação.
"Deus meu", disse assombrada. "Quer dizer que não era a morte!"
Encontrou finalmente a fechadura, ouvindo a respiração crescente de alguém que se aproximava tão assustado quanto ela no escuro, e então compreendeu que havia valido a pena esperar tantos e tantos anos, e haver sofrido tanto na escuridão, mesmo que tivesse sido só para viver aquele instante."


Maio de 1979.