terça-feira, 14 de novembro de 2023

JOHNNY PANIC E A BÍBLIA DOS SONHOS - SYLVIA PLATH



 "O que mais temo,acho, é a morte da imaginação. Quando o céu lá fora é apenas cor-de-rosa, e os telhados apenas pretos: a mente fotográfica que paradoxalmente diz a verdade sobre o mundo, mas só a verdade que não tem valor . O que eu desejo é o espírito da síntese, aquela força "modeladora" que brota abundante e cria seus próprios mundos com mais inventividade que Deus.

Se fico quieta, sem fazer nada, o mundo continua pulsando como um tambor gasto, sem sentido. É preciso continuar em movimento, trabalhando, criando sonhos para correr atrás; só imaginar a miséria da vida sem sonhos já é horrível demais: é o pior tipo de loucura: a loucura das fantasias e alucinações seria um alívio digno de Bosch. Sempre presto atenção aos passos que vêm subindo a escada, e os odeio quando não são para mim. Por que, por que não consigo ser ascética por um tempo, em vez de ficar sempre oscilando entre o desejo pela completa solidão para trabalhar e ler e a vontade tão grande , tão grande, e ter os gestos das mãos e as palavras de outros seres humanos? Bem, depois desse trabalho sobre Racine, do purgatório de Ronsard, do Sófocles, eu vou escrever: cartas e prosa e poesia, mais para o fim da semana; até lá preciso ser estoica."

sexta-feira, 7 de abril de 2023

PASTORAL AMERICANA - PHILIP ROTH


 "Combatemos nossa superficialidade , nossa falta de profundidade , de modo a tentarmos nos aproximar dos outros livres de expectativas irreais, sem uma sobrecarga de preconceitos , esperanças, arrogância , da forma menos parecida com o avanço de um tanque, sem canhão, sem metralhadoras e sem chapas de aço de quinze centímetros de espessura; a gente se aproxima das pessoas da forma menos ameaçadora , de pés descalços, em vez de vir rasgando o capim com as esteiras do trator, recebe o que elas dizem  com a mente aberta, como iguais, de homem para homem, como dizíamos antigamente, e mesmo assim a gente sempre acaba entendendo mal as pessoas. A gente pode também possuir o cérebro de um tanque. Já estamos entendendo errado as pessoas antes mesmo de encontrá-las, enquanto ainda estamos prevendo o que vai acontecer; entendemos errado enquanto estamos diante delas; e depois vamos para casa e contamos a alguém sobre o encontro, e de novo entendemos tudo errado.

Uma vez que a mesma coisa acontece com os outros em relação a nós, tudo vira uma ilusão desnorteante, destituída de qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensões . E, com tudo isso, o que é que vamos fazer a respeito dessa questão profundamente significativa que  são as outras pessoas, que se veem drenadas de toda a significação que julgamos ser a delas e adquirem, em vez disso, um significado burlesco, o que vamos fazer se estamos tão mal equipados para distinguir os movimentos interiores e os propósitos invisíveis uns dos outros? Será que todo mundo devia trancar a porta de casa e ficar quieto, isolado, como fazem os escritores solitários, em uma cela a prova de som, invocando as pessoas por meio de palavras e depois sugerindo que essas pessoas feitas de palavras estão mais próximas das coisas reais do que as pessoas reais que deturpamos todos os dias com a nossa ignorância? Persiste o fato de que entender direito as pessoas não é uma coisa própria da vida, nem um pouco. Viver é entender as pessoas errado, entendê-las errado, errado e errado, para depois, reconsiderando tudo e cuidadosamente, entender mais uma vez as pessoas errado. É assim que sabemos que continuamos vivos : estando errados. Talvez a melhor coisa fosse esquecer se estamos certos ou errados a respeito das pessoas e simplesmente ir vivendo do jeito que der. Mas se você é capaz de fazer isso...bem, boa sorte."

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

BELEZA E TRISTEZA- YASUNARI KAWABATA


"Na época em que se deitava com ele, Otoko não se preocupava com pelos nas axilas nem com a existência de tais coisas. Teria perdido o senso de realidade? Hoje, com Keiko, sentia-se mais livre, tendo criado um ousado erotismo para uma mulher de meia-idade. Espantou-se ao perceber que nesse período de solidão, desde a separação aos dezessete anos até ser tocada pela aluna, havia amadurecido. Temia que, se fosse tocada por um homem, em lugar de Keiko, ruiria aquilo que protegia no fundo de seu coração: a imagem sagrada de seu amor por Oki.
 

sábado, 11 de fevereiro de 2023

A CASA DOS BUDAS DITOSOS - JOÃO UBALDO RIBEIRO

 


"Penso principalmente nas mulheres, gostaria que as mulheres , ao tempo que se tornassem mais ousadas, se tornassem também mais abertas, mais compreensivas, deixassem de ser tão mulheres, por assim dizer. E gostaria de um mundo de sacanagem sem problemas, é dificílimo , mas não é impossível em certos casos. Quero que as mulheres fiquem excitadas, se identifiquem comigo, queiram me comer e comer todo mundo que nunca se permitiram saber que queriam comer , quero criar um clima de luxúria e sofreguidão. De noite, sozinha, isso acontece.Às vezes por causa de um drinque , um baseado, uma música, uma foto, uma coisa qualquer que altere ou provoque a consciência. Ás vezes, aparentemente por nada. Mas todas as mulheres- todos os homens, mas agora quero falar de mulheres- já sentiram e sentem um momento em que são puramente sexo por todos os lados e ficam com medo de si mesmas e se descontrolam e compreendem tudo sobre sexo e querem tudo, é uma sensação avassaladora de absoluta sexualidade, um momento em que a sacanagem toma conta de tudo e ela se sente fêmea, devassa, puta, ela faria tudo, tudo, ela quer foder, ela quer fazer tudo! Toda mulher que não dá a bunda sente vontade de também dar a bunda nessas horas, toda mulher que nunca deixou gozarem em sua boca sente vontade de chupar um pau até que ele  esguiche forte em sua boca , toda mulher assim limitada sai desses limites nessas horas, finge que não tem problemas. Todas iguais."