segunda-feira, 30 de agosto de 2010

D. Quixote da Mancha



" Em suma, ele engolfou-se tanto em sua leitura, que lendo passava as noites em claro, e os dias em turvo; e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro de maneira que veio a perder o juízo. Encheu-lhe a fantasia de tudo aquilo que lia nos livros,tanto de encantamentos como de pelejas, batalhas, duelos, ferimentos, galanteios, amores, desgraças e disparates impossíveis; e assentou-se-lhe de tal modo na imaginação que era verdade toda aquela máquina daquelas sonhadas invenções que lia, que para ele não havia outra história mais certa no mundo."

" Limpas,pois, suas armas, tornado o morrião celada, dado nome a seu rocim e confirmando-se a si mesmo, convenceu-se de que não lhe faltava outra coisa senão procurar uma dama de quem enamorar-se,porque cavaleiro andante sem amores era árvore sem folhas nem fruto e corpo sem alma."

" Ah! Como folgou nosso bom cavaleiro quando fez este discurso, e mais ainda quando achou alguém a quem dar o nome de sua dama! É que calhou, pelo que se crê, haver num vilarejo próximo do seu uma moça lavradora de muito bom parecer, de quem ele um tempo andara enamorado, ainda que, pelo que se sabe,ela o jamais o tivesse sabido nem lho tivesse dado a olhar. Chamava-se Aldonza Lorenzo, e foi a ela que lhe pareceu bom dar o título de senhora de seus pensamentos ; e, buscando-lhe nome que não desdissesse muito do seu e que soasse e tendesse ao de princesa e grã senhora, veio a chamá-la " Dulcinéia de Tolboso" porque era natural do Toboso: nome, a seu ver, músico e original e significativo, como todos os demais que a ele e a suas coisas tinha dado."


( O Engenhoso Fidalgo D. Quixote da Mancha - Miguel de Cervantes )

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Correspondências entre Anton P. Tchekhov e Máximo Górki

" Eu, em seu lugar, partiria para a Índia, para o diabo sabe aonde, cursaria mais duas faculdades, faria coisas e mais coisas. Você dá risada, mas eu tenho tanta mágoa de já estar com 40, ter dispnéia e outras amolações que me impedem de viver livremente. De qualquer modo, seja um homem bom e um bom companheiro, não se zangue por eu, nas minhas cartas, fazer sermões como um protopope.
 Escreva-me. Estou esperando Fomá Gordiéiev, que até agora não li devidamente.
 Nada de novo. Saúde. Um forte aperto de mão.

Seu A. Tchekhov"

" Sabe, é muito desagradável ler em suas cartas que você está sentindo tédio. Isto absolutamente não lhe convém e não deve acontecer, de modo algum. Você escreve que já está com quarenta anos. Você está apenas com quarenta anos ! E neste meio tempo, quanto você já escreveu, e como escreveu! Pois é isto ! É terrivelmente trágico que todos os russos se considerem abaixo do seu valor real.Parece que você também está concorrendo para isso."

Seu A. Piechkóv * "

* O nome de Máximo Górki ( isto é, o Amargo ) era Aleksiéi Maksímovitch Piechkóv.

( trechos das cartas trocadas entre Anton P. Tchekhov e Máximo Górki - Carta e  Literatura - Sophia Angelides - Edusp )

Sábado - Ian McEwan

" Sexo é um meio diferente , refrata o tempo e os sentidos , um hiperespaço biológico tão remoto da vida consciente quanto os sonhos , ou quando a água é do ar. Como sua mãe dizia, um outro elemento; o dia se modifica, Henry , quando a gente nada. E esse dia está destinado a se destacar dos demais."


( Sábado - Ian McEwan )

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

o Mapa de Sonhos - Uri Shulevitz


" No dia seguinte meu pai pendurou o mapa.
  Ele ocupou a parede inteira!
  Nosso quartinho sem graça inundou-se de cores.
  Fiquei fascinado pelo mapa
  e passei horas olhando para ele,
  examinando cada detalhe.
  E durante muitos dias eu o desenhei
  em cada pedacinho de papel que me aparecia pela frente.
  Eu encontrava nomes desconhecidos naquele mapa.
  Aterrisei em desertos abrasadores.
  Percorri praias,sentindo a areia entre os dedos dos pés.
  Escalei montanhas nevadas
  onde o vento gelado lambia meu rosto.
  Vi templos maravilhosos
  com esculturas de pedra  dançando nas paredes
  e pássaros de todas as cores
  cantando nos telhados.
  Atravessei pomares cheios de frutas,
  comi mamões e frutas até me fartar.
  Bebi água fresquinha
  e descansei á sombra de palmeiras.
  Cheguei a uma cidade cheia de arranha-céus
  e tentei contar suas janelas.
  Eram tantas que caí no sono antes de acabar.
  E assim passei horas de encantamento
  longe da fome e da miséria.
  E perdoei o meu pai,
  afinal ele fez a coisa certa."

( Mapa de Sonhos - Uri Shulevitz )