segunda-feira, 30 de agosto de 2010

D. Quixote da Mancha



" Em suma, ele engolfou-se tanto em sua leitura, que lendo passava as noites em claro, e os dias em turvo; e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro de maneira que veio a perder o juízo. Encheu-lhe a fantasia de tudo aquilo que lia nos livros,tanto de encantamentos como de pelejas, batalhas, duelos, ferimentos, galanteios, amores, desgraças e disparates impossíveis; e assentou-se-lhe de tal modo na imaginação que era verdade toda aquela máquina daquelas sonhadas invenções que lia, que para ele não havia outra história mais certa no mundo."

" Limpas,pois, suas armas, tornado o morrião celada, dado nome a seu rocim e confirmando-se a si mesmo, convenceu-se de que não lhe faltava outra coisa senão procurar uma dama de quem enamorar-se,porque cavaleiro andante sem amores era árvore sem folhas nem fruto e corpo sem alma."

" Ah! Como folgou nosso bom cavaleiro quando fez este discurso, e mais ainda quando achou alguém a quem dar o nome de sua dama! É que calhou, pelo que se crê, haver num vilarejo próximo do seu uma moça lavradora de muito bom parecer, de quem ele um tempo andara enamorado, ainda que, pelo que se sabe,ela o jamais o tivesse sabido nem lho tivesse dado a olhar. Chamava-se Aldonza Lorenzo, e foi a ela que lhe pareceu bom dar o título de senhora de seus pensamentos ; e, buscando-lhe nome que não desdissesse muito do seu e que soasse e tendesse ao de princesa e grã senhora, veio a chamá-la " Dulcinéia de Tolboso" porque era natural do Toboso: nome, a seu ver, músico e original e significativo, como todos os demais que a ele e a suas coisas tinha dado."


( O Engenhoso Fidalgo D. Quixote da Mancha - Miguel de Cervantes )

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