terça-feira, 2 de junho de 2015

O Estrangeiro - Albert Camus


"Tinha lido que na prisão se acaba perdendo a noção do tempo. Mas para mim isto não fazia muito sentido . Não compreendera ainda até que ponto os dias podiam ser , ao mesmo tempo, curtos e longos. Longos para viver , sem dúvida, mas de tal modo distendidos que acabavam por se sobrepor uns aos outros . E nisso perdiam o nome. As palavras ontem ou amanhã eram as únicas que conservavam um sentido para mim.
  Quando, um dia, o guarda me disse que eu estava lá há cinco meses , acreditei, mas não compreendi. Para mim era sempre o mesmo dia que se desenrolava na minha cela , e era sempre a mesma tarefa , que eu perseguia sem cessar. Nesse dia , depois de o guarda ter saído, olhei-me na minha bacia de ferro. Pareceu-me que a minha imagem ficava séria , mesmo quando tentava sorrir para ela. Agitei-a diante de mim. Sorri e ela conservou o mesmo ar severo e triste . O dia acabava e era a hora de que não quero falar , a hora sem nome, em que os ruídos da noite subiam de todos os andares da prisão num cortejo de silêncio. Aproximei-me da janela e, á última luz, contemplei uma vez mais a minha imagem. Continuava séria , e que há de espantoso nisso, se nesse instante eu também estava sério! Mas ao mesmo tempo e pela primeira vez nos últimos meses ouvi distintamente o som da minha voz. Reconhecia-a como a que ressoava há longos dias nos meus ouvidos e compreendi que durante este tempo falara sozinho. Lembrei-me, então, do que dizia a enfermeira no enterro de mamãe. Não, não havia saída , e ninguém pode imaginar o que são as noites nas prisões."