quarta-feira, 30 de junho de 2010

o diário de Anne Frank


Sábado, 20 de Junho de 1942

"Escrever um diário é uma experiência realmente estranha para alguém como eu. Não somente porque nunca escrevi antes, mas também porque acho que mais tarde ninguém se interessará,nem mesmo eu,pelos pensamentos de uma garota de treze anos.Bom,não importa.Tenho vontade de escrever,e tenho uma necessidade ainda maior de tirar todo tipo de coisas de dentro do meu peito."

Domingo, 5 de Julho de 1942

"Há alguns dias,enquanto dávamos um passeio pela praça perto de casa, papai começou a falar sobre se esconder.Falou que para nós seria difícil viver sem manter relações com o resto do mundo.Perguntei por que ele tinha puxado aquele assunto.
_Bom,Anne - respondeu ele.- Você sabe que há mais de um ano estamos levando roupas,comida e móveis para outras pessoas.Não queremos que nossos pertences sejam apanhados pelos alemães.E também não queremos cair nas garras deles.Por isso vamos embora por vontade própria,sem esperar que eles nos levem.
_Mas quando,papai?
Ele parecia tão sério que fiquei apavorada.
_Não se preocupe.Nós vamos cuidar de tudo.Simplesmente desfrute sua vida despreocupada enquanto é possível.
Era isso.Ah, que essas palavras sombrias não se tornem verdade pelo maior tempo possível!"

Quarta-feira , 8 de Julho de 1942

" Margot e eu começamos a colocar nossos pertences mais importantes numa pasta de escola. A primeira coisa que agarrei foi este diário , e depois rolinhos de cabelos, lenços, livros da escola, um pente e algumas cartas antigas.Preocupada com a ideia de ir para um esconderijo, juntei as coisas mais malucas na pasta,mas não me arrependo.Para mim as lembranças são mais importantes do que os vestidos.
Eu estava exausta,e mesmo sabendo que seria a última noite em minha cama,dormi imediatamente e só acordei quando mamãe me chamou ás cinco e meia da manhã seguinte.Felizmente não estava tão quente quanto  no domingo;uma chuva quente caiu durante o dia inteiro. Nós quatro vestimos tantas camadas de roupas a ponto de parecer que iríamos passar a noite numa geladeira, e isso para que pudéssemos levar mais roupas.Nenhum judeu em nossa situação ousaria sair de casa com uma mala cheia.Estava sufocando mesmo antes de sairmos de casa,mas ninguém se incomodou em perguntar como eu me sentia.
Margot encheu sua pasta da escola com livros,foi pegar sua bicicleta e, com Miep guiando o caminho , seguiu para o grande desconhecido .De qualquer modo,é assim que eu pensava,já que ainda não sabia onde era nosso esconderijo.
As camas desarrumadas,as coisas do café da manhã sobre a mesa,a carne para a gata na cozinha - todas essas coisas criavam a impressão de que havíamos saído apressadamente .Mas não estávamos interessados em impressões.Só queríamos sair de lá,sair e  chegar em segurança ao nosso destino.Nada mais importava.
Mais amanhã.

                                                                                                                                              Sua Anne."

( trechos de O Diário de Anne Frank - editado por Otto H. Frank e Mirjam Pressler - Editora Record )


terça-feira, 29 de junho de 2010

Ferreira Gullar


"Criação poética

O poema não tem plano.Escrevo  meio cego.É uma descoberta passo a passo,algo que vai sendo revelado a mim mesmo a cada momento.Eu nunca presto atenção no modo como construo um poema.O poema,para mim, é a grande aventura de como fazer. Costumo dizer em palestras para estudantes que,quando vou escrever um poema, a página está em branco,e isso significa que todas as possibilidades estão abertas,são infinitas.No momento em que sorteio uma palavra,reduzo as possibilidades,o acaso é menor.Mas não sei o que vai acontecer.

A alegria da escrita

O poema é cura,não doença.Escrevo para ser feliz,para me libertar do sofrimento,não para sofrer.É a alquimia da dor em alegria estética.Mesmo quando a coisa é doída,amarga,naquele momento a transformo no ouro que é o poema."

Ferreira Gullar

( trecho da entrevista concedida á revista cultural Dicta & Contradicta )

segunda-feira, 21 de junho de 2010

o vento e a canção - Mario Quintana

" Só o vento é que sabe versejar:
Tem um verso a fluir que é como um rio de ar.

E onde a qualquer momento podes embarcar:
O que ele está cantando é sempre o teu cantar.

Seu grito que querias dar,
É ele a dança que ias tu dançar.

E, se acaso quisesses te matar,
Te ensinava cantigas de esquecer

Te ensinava cantigas de embalar...
E só um segredo ele vem te dizer:

- é que o voo do poema não pode parar."



( O vento e a canção - Mario Quintana - Anotações Poéticas )


sexta-feira, 18 de junho de 2010

Eu sou um gato - Natsume Soseki


"Rendo-me.Que aconteça o que tiver de acontecer.Não vou tentar mais me agarrar a nada.Decido não resistir e abandono nas mãos da natureza minhas patas dianteiras e traseiras,minha cabeça,meu rabo.
Aos poucos vou me sentindo tranquilo.Já não sei mais se é sufocante ou prazeroso.Não sei mais se estou dentro da água ou sobre almofadas.Não importa mais onde estou ou o que faço.Sinto-me bem.Ou melhor,não posso sequer distinguir mais se estou bem ou não.Quero destruir o sol e a lua,pulverizar céus e terras,adentrar em um estado de estranha paz.Estou morrendo.Morrendo.Morrendo obterei essa paz,só atingida por aqueles que passam para o outro mundo.Em nome de Buda,em nome de Buda.Rendo-lhe graças,rendo-lhe graças."

Eu sou um gato - Natsume Soseki