sexta-feira, 7 de abril de 2023

PASTORAL AMERICANA - PHILIP ROTH


 "Combatemos nossa superficialidade , nossa falta de profundidade , de modo a tentarmos nos aproximar dos outros livres de expectativas irreais, sem uma sobrecarga de preconceitos , esperanças, arrogância , da forma menos parecida com o avanço de um tanque, sem canhão, sem metralhadoras e sem chapas de aço de quinze centímetros de espessura; a gente se aproxima das pessoas da forma menos ameaçadora , de pés descalços, em vez de vir rasgando o capim com as esteiras do trator, recebe o que elas dizem  com a mente aberta, como iguais, de homem para homem, como dizíamos antigamente, e mesmo assim a gente sempre acaba entendendo mal as pessoas. A gente pode também possuir o cérebro de um tanque. Já estamos entendendo errado as pessoas antes mesmo de encontrá-las, enquanto ainda estamos prevendo o que vai acontecer; entendemos errado enquanto estamos diante delas; e depois vamos para casa e contamos a alguém sobre o encontro, e de novo entendemos tudo errado.

Uma vez que a mesma coisa acontece com os outros em relação a nós, tudo vira uma ilusão desnorteante, destituída de qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensões . E, com tudo isso, o que é que vamos fazer a respeito dessa questão profundamente significativa que  são as outras pessoas, que se veem drenadas de toda a significação que julgamos ser a delas e adquirem, em vez disso, um significado burlesco, o que vamos fazer se estamos tão mal equipados para distinguir os movimentos interiores e os propósitos invisíveis uns dos outros? Será que todo mundo devia trancar a porta de casa e ficar quieto, isolado, como fazem os escritores solitários, em uma cela a prova de som, invocando as pessoas por meio de palavras e depois sugerindo que essas pessoas feitas de palavras estão mais próximas das coisas reais do que as pessoas reais que deturpamos todos os dias com a nossa ignorância? Persiste o fato de que entender direito as pessoas não é uma coisa própria da vida, nem um pouco. Viver é entender as pessoas errado, entendê-las errado, errado e errado, para depois, reconsiderando tudo e cuidadosamente, entender mais uma vez as pessoas errado. É assim que sabemos que continuamos vivos : estando errados. Talvez a melhor coisa fosse esquecer se estamos certos ou errados a respeito das pessoas e simplesmente ir vivendo do jeito que der. Mas se você é capaz de fazer isso...bem, boa sorte."