terça-feira, 11 de setembro de 2012

Pawana - J.M.G. Le Clézio




" Mas eu, Charles Melville Scammon , comandante do Léonore da Companhia Nantucket , descobri a passagem, e nada será como antes. Meu olhar bateu no segredo, lancei meus caçadores sedentos de sangue e a vida parou de nascer. Tudo agora será destruído e arrasado. Na praia onde nós passamos a primeira noite , ouvindo a respiração dos gigantes que se aproximavam , construíram um cais de madeira , onde os cadáveres das baleias ficam amarrados antes de ir para o corte . Em volta , brotaram muitas cabanas, aldeolas de coletores de sal, de vendedores de água, de lenhadores. O ventre da terra, seco e murcho, tornou-se estéril.
Agora que eu me aproximo do meu fim, penso na proa da chalupa cortando silenciosamente a água pálida da laguna, levando o canhão do índio apontando para o corpo dos gigantes. Penso também no gigantesco salto da fêmea, suspensa um instante na luz, no meio da sua nuvem de gotas, e que arrasta seu filhote para a morte quando tomba na água. Como alguém ousa amar o que matou?
Era a pergunta que me fazia o olhar do garoto na chalupa, essa pergunta que eu continuo escutando. Naquele momento, enquanto a proa da chalupa cortava a água da laguna, muito duramente nós íamos para o nosso destino. Penso nas lágrimas do garoto, quando puxávamos os corpos das baleias para o navio, porque ele era o único a saber o segredo que nós tínhamos perdido.
Penso nele, como se eu pudesse parar o curso do tempo, parar a proa da chalupa, fechar a entrada da passagem.
Hoje sonho com isso, como antigamente eu sonhava em abrir essa passagem.
O ventre da terra poderia então recomeçar a viver, e os corpos das baleias deslizariam docemente pelas águas mais calmas do mundo, nessa laguna que enfim não teria mais nome."