segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Minhas tudo - Mario Prata


" E descobri muito feliz da vida , que nunca uma geração de jovens brasileiros leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou está lendo ou escrevendo. E mais : conhecendo pessoas. E amando essas pessoas.
Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu tanto. E se comunicou tanto. E leu tanto. E amou tanto.
No caso do amor ali nascido , a feiúra, o peso, a cor, a idade ou a nacionalidade não importam. O que é mais importante é o texto . O texto é a causa do amor.
Quando comecei a escrever um livro pela Internet , muitos colegas jornalistas me entrevistaram ( sempre a mim e ao João Ubaldo ) perguntando qual era o futuro da literatura pela Internet.
Naquela época eu não sabia responder a essa  pergunta. Hoje sei e tenho certeza do que penso:
- Essa geração vai dar muitos e muitos escritores para o Brasil.E muita gente vai se apaixonar pelo texto e no texto.
Existe coisa melhor que concluir isso?
Como diria Shakespeare, palavras, palavras, palavras.
Como diria Pelé , love,love,love."




( trecho da crônica Minhas Letra. Amei tanto...)

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Reflexões Sobre Um Século Esquecido - Tony Judt





"As estradas de ferro são um serviço público. Por isso os franceses investem pesadamente no setor ( assim como alemães, italianos e espanhóis ). Tratam o imenso subsídio dado ao sistema ferroviário como um investimento na economia local e nacional, bem como em ambiente , saúde, turismo e mobilidade social. Para alguns observadores ingleses e também uns poucos críticos franceses , esses subsídios representam perdas enormes inaceitáveis - difíceis de quantificar, pois estão escondidas nas contas públicas. Mas eles causam um impacto significativo no orçamento nacional. A maioria dos franceses não vê o caso assim, porém : para eles as ferrovias não são um negócio, e sim um serviço que o Estado proporciona aos cidadãos, pago pela coletividade. Um determinado trem, rota ou estação pode não dar lucro, mas o prejuízo é compensado por benefícios indiretos que equilibram a conta. Tratar trens como empresa que pode ser melhor admnistrada por empresários cujos acionistas esperam retorno em dinheiro para seu investimento significa incompreensão de sua verdadeira natureza."

" Os belgas, portanto, podem ser perdoados por um certo  grau de incerteza quanto a sua identidade nacional. O Estado nascido na conferência de Londres, em janeiro de 1831, foi retirado do domínio holandês, ganhou um novo rei, inventado na Alemanha , uma constituição inspirada na francesa de 1791, e um novo nome. Embora o termo "Bélgica" tenha raízes antigas ( o cronista Jean de Guise, no século XII, o atribuía a um monarca lendário, "Belgus", de origem troiana ), a maioria dos habitantes da região identifica-se apenas com sua comunidade local.
Na verdade, a lealdade urbana ou comunal estava no centro daquilo que distingue o lugar de qualquer outro. Desde o século XIII as cidades flamengas se uniam para lutar contra as exigências fiscais e territoriais de nobres, reis e imperadores. Até hoje a Bélgica é o único país da Europa no qual a identificação da localidade imediata atroplea a filiação regional ou nacional na imaginação popular."




segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Fernando Pessoa


"No lugar dos palácios desertos e em ruínas
À beira do mar,
Leiamos, sorrindo os segredos das sinas
De quem sabe amar.

Qualquer que ele seja, o destino daqueles
Que o amor levou
Para a sombra, ou na luz se fez a sombra deles,
Qualquer fosse o voo.

Por certo eles foram mais reais e felizes."


( poema encontrado no livro No Teu Deserto de Miguel Sousa Tavares )

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Fernando Pessoa





" Não sei que diga. Pertenço à raça dos navegadores e dos criadores de impérios . Se falar como sou , não serei entendido, porque não tenho Portugueses que me escutem. Não falamos , eu e os que são meus compatriotas , uma linguagem comum . Calo. Falar seria não me compreenderem . Prefiro a incompreensão pelo silêncio."
( 1929 - 1930 )

" Quanto mais nos aprofundamos , com a vida , a própria sensibilidade , mais ironicamente nos conhecemos. Aos 20 anos eu cria no meu destino funesto; hoje conheço meu destino banal. Aos 20 anos sonhava com os Principados do Oriente ; hoje contentar-me-ia , sem pormenores e perguntas , com um final da vida tranquila aqui nos subúrbios , dono de uma tabacaria vagarosa.
O  pior que há para a sensibilidade é pensarmos nela , e não com ela. Enquanto me desconheci ridículo , pude ter sonhos em grande escala. Hoje que sei quem sou, só me restam sonhos que delibero ter."
( 1930 )

pág. 199

" Qualquer que seja o teu trabalho , põe individualidade nele , esforça-te por lhe pores  qualquer cousa de único , de diferente , de teu. Há aventuras até no fazer embrulhos . Há campo para a criação até na redacção de facturas. Lembra-te do Noronha. Ninguém podia passar pelas gargantas das Allegheny. Foi lá ter o Noronha.
Eras capaz de ir lá ter ? Não eras.Sê ao menos capaz de ir ter a um novo modo de redigir cartas , de dobrar circulares, de colar selos. Sê original em qualquer coisa. Vive . Sê gente ... Não te deixes ser igual aos outros , como se tivesses nascido carneiro."


( Fernando Pessoa - escritos autobiográficos e de reflexão pessoal )

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Pawana - J.M.G. Le Clézio




" Mas eu, Charles Melville Scammon , comandante do Léonore da Companhia Nantucket , descobri a passagem, e nada será como antes. Meu olhar bateu no segredo, lancei meus caçadores sedentos de sangue e a vida parou de nascer. Tudo agora será destruído e arrasado. Na praia onde nós passamos a primeira noite , ouvindo a respiração dos gigantes que se aproximavam , construíram um cais de madeira , onde os cadáveres das baleias ficam amarrados antes de ir para o corte . Em volta , brotaram muitas cabanas, aldeolas de coletores de sal, de vendedores de água, de lenhadores. O ventre da terra, seco e murcho, tornou-se estéril.
Agora que eu me aproximo do meu fim, penso na proa da chalupa cortando silenciosamente a água pálida da laguna, levando o canhão do índio apontando para o corpo dos gigantes. Penso também no gigantesco salto da fêmea, suspensa um instante na luz, no meio da sua nuvem de gotas, e que arrasta seu filhote para a morte quando tomba na água. Como alguém ousa amar o que matou?
Era a pergunta que me fazia o olhar do garoto na chalupa, essa pergunta que eu continuo escutando. Naquele momento, enquanto a proa da chalupa cortava a água da laguna, muito duramente nós íamos para o nosso destino. Penso nas lágrimas do garoto, quando puxávamos os corpos das baleias para o navio, porque ele era o único a saber o segredo que nós tínhamos perdido.
Penso nele, como se eu pudesse parar o curso do tempo, parar a proa da chalupa, fechar a entrada da passagem.
Hoje sonho com isso, como antigamente eu sonhava em abrir essa passagem.
O ventre da terra poderia então recomeçar a viver, e os corpos das baleias deslizariam docemente pelas águas mais calmas do mundo, nessa laguna que enfim não teria mais nome."



segunda-feira, 30 de julho de 2012

A Culpa É Das Estrelas - John Green



"- O que foi ?  - perguntei.
  - Nada - ele respondeu.
  - Por que você está olhando para mim desse jeito?
Ele deu um sorrisinho.
 -  Porque você é bonita. Eu gosto de olhar pessoas bonitas, e faz algum tempo que resolvi não me negar os prazeres mais simples da existência humana. - Um silêncio constrangedor se seguiu. Mas o Augustus quebrou o gelo. - Quer dizer, principalmente porque, como você deliciosamente observou, tudo isso vai acabar em total esquecimento, e tal..."





( Mergulhei nesse livro por três dias. E continuei mergulhada mesmo depois de terminada a leitura, mesmo ele fechado. Porque me apaixonei por Augustus.Porque existe os encontros e despedidas. As realizações de sonhos e a esperança. A espera por respostas. A doença e a morte. A dor. A saudade. E existe os dias que se seguem depois de tudo isso, a vida. E existe a tristeza, e isso não podemos ignorar.E acima de tudo, existe o Amor ).

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A Bicicleta Que Tinha Bigodes - Ondjaki



" A Isaura dá nomes de presidentes aos bichos do quintal dela, e porque são muitos bichos , ela sabe nomes de muitos presidentes . Podem ser nomes também de alguns que já morreram ou mesmo outros que não foram presidentes mas pessoas assim importantes.
O gato dela se chama Ghandi, acho que era um senhor tipo indiano ou quê. O cão se chama AmílcarCabral, até lhe chamamos de AmílcarCãobral. A lesma é Senghor, os gafanhotos são Samora, Mobutu e Khadafi, os sapos se chamam Raúl e Fidel. Parece que também deu nomes aos passarinhos mas nunca consegui decorar a lista toda.
Agora é que me lembrei, há um papagaio chamado JoãoPauloTerceiro, filho do falecido jacó JoãoPauloSegundo que tinha morrido na boca do próprio Ghandi. É que o Ghandi, se chamava Tátecher! Só depois de comer os papagaios é que lhe cortaram os tímbalos e ficou mais calmo a miar devagarinho e a não arranhar ninguém.
 Mas eu não posso dizer "tímbalos", nem mesmo "timbalóides", porque a minha AvóDezanove não gosta que eu diga disparates."

O Africano - Le Clézio



" É escrevendo que agora compreendo. Essa memória não é somente a minha. É também a memória do tempo anterior ao meu nascimento, quando meu pai e minha mãe andavam juntos pelas estradas do planalto , nos reinos do oeste de Camarões. A memória das esperanças e angústias de meu pai, de sua solidão, seu abatimento em Ogoja. A memória dos momentos de felicidade, quando eles dois estavam unidos pelo amor que acreditavam ser eterno. Iam então pela liberdade dos caminhos, e os nomes dos lugares adentraram em mim como sobrenomes, Bali, Nkom, Bamenda, Banso, Nkong-samba, Revi, Kwaja. E os nomes das terras , Mbembé, Kaka,Nsungli, Bum, Fungom. As chapadas por onde avança lentamente o rebanho de animais com chifres de lua para enganchar nas nuvens, entre Lassim e Ngonzin.
Afinal de contas, talvez meu velho sonho não me tenha enganado. Se meu pai se tornou o Africano, por força de seu destino, eu, quanto a mim, posso pensar em minha mãe africana, aquela que me beijou e nutriu no instante no qual fui concebido , no instante em que nasci.



( abrir esse livro é viajar para a África. Uma viagem bela, triste e emocionante. Belíssimo livro!)

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Bonsai - Alejandro Zambra



" A primeira mentira que Julio contou a Emília foi que tinha lido Marcel Proust. Não costumava mentir sobre suas leituras, mas naquela segunda noite , quando os dois sabiam que alguma coisa estava começando entre eles , e que essa coisa , durasse o quanto durasse, ia ser importante , naquela noite Julio impostou a voz e fingiu intimidade , e disse que sim, que tinha lido Proust , aos dezessete anos, num verão, em Quintero. "



( mais uma descoberta maravilhosa! )

terça-feira, 26 de junho de 2012

Bom Dia Camaradas - Ondjaki



" Pela janela enorme entrava luz , entrava o som dos passarinhos , entrava o som da água a pingar no tanque, entrava o cheiro da manhã, entrava o barulho das botas dos guardas da casa ao lado, entrava o grito do gato porque ele ia lutar com outro gato, entrava o barulho da despensa a ser aberta pela minha mãe, entrava o som de uma buzina , entrava uma mosca gorda , entrava uma libélula que nós chamávamos de helibélula , entrava o barulho do gato que depois da luta saltava pro telheiro de zinco , entrava o som do guarda a pousar a aká porque ia se deitar , entravam assobios , entrava muita luz mas, acima de tudo, entrava o cheiro do abacateiro , o cheiro do abacateiro que estava a acordar."


( Ondjaki - o amor literário do ano. Lindo ! )

terça-feira, 5 de junho de 2012

Avó Dezanove e o segredo do soviético - Ondjaki




"Sentado na varanda, eu gostava de fazer essa brincadeira de primeiro olhar as nuvens brancas a dançarem no céu empurradas pelo vento, na escola sempre ensinaram que o vento é invisivel , e até é , mas, sem querer parecer maluco tipo o Espuma do Mar, ás vezes eu acho que, pelo modo de as nuvens voarem, quase fica possível ver de onde vem o vento e sobretudo para onde ele quer ir. O vento não deve gostar de andar sozinho, se repararem bem, porque sempre quer levantar poeira , dobrar as árvores , soprar as folhas e arrastar as nuvens para longe. O vento deve ter uma casa no tão-longe e está sempre a tentar levar as nuvens para a casa dele, mas isso é uma coisa que eu penso sozinho sem contar a ninguém, porque outras crianças podem me chamar de chanfru e os mais-velhos podem querer me dar remédios para ver se fico bom da cabeça."


"Fomos devagarinho em direção à casa do SenhorTuarles, pai da Charlita, meio a sorrir, o camarada VendedorDeGasolina fazia aquilo quase todas as manhãs, preparava uma vassoura própria ,calçava umas botas de borracha , desenrolava uma mangueira , abria a torneira e não havia água .

- Que estranho, não há água na torneira - e voltava a arrumar tudo devagarinho.

Estranhos são os mais-velhos que fazem as coisas repetidas todos os dias apesar de saberem que há coisas que não mudam. Há quantos anos não havia água naquela bomba de gasolina?"


( um dos livros mais lindos que já li. Daqueles de serem lidos e relidos pra mergulhar nas palavras  do personagem que narra a história. Lindo ! )

O Burrinho Pedrês - João Guimarães Rosa



"Galhudos, gaiolos , estrelos , espácios , combucos , cubetos, lobunos , lompardos , caldeiros , cambraias , chamurros , churriados , corombos , cornetos, bocalvos , borralhos , chumbados , chitados , vareiros, silveiros...E os tocos da testa do mocho macheado, e as armas antigas do boi cornalão..."



( tradução, priss!! )

terça-feira, 29 de maio de 2012

O Quinze - Rachel de Queiroz




" Foi estranha a impressão de Vicente, acordando de madrugada, com um barulho desacostumado no telhado.
- Chuva ? Possível ?!
Meteu os pés da rede, correu ao alpendre:
- Chuva!
Chuva fresca e alegre que tamborilava cantando na velha telha, e corria nas biqueiras empoeiradas, e se embebia depressa no barro absorvente do terreiro!
Vicente, correndo ainda, foi à sala de jantar, escancarou a janela que dava para o curral.
A chuva saraivava de flanco as reses magríssimas, que se encolhiam trêmulas, erguendo olhos de assombrado espanto para o céu escuro.
E os pingos de água, batendo-lhes nos couros ressequidos, como que vazios interiormente, pareciam soar com um retumbo de tambores.
Sofregamente , o rapaz estendeu a cabeça fora da janela.
Entreabriu os lábios, recebendo no rosto, na boca, a umidade bendita que chegava.
E longamente ali ficou, sorvendo o cheiro  forte que vinha da terra, impregnado dum calor de fecundação e renovamento, deixando que se molhasse o cabelo revolto, e lhe escorresse a água fria pela gola, num batismo de esperança, a que ele deliciadamente se entregava , sentindo nas veias, mais ativo, mais alegre, o sangue subir e descer  em gólfãos irrequietos."

O Chalé da Memória - Tony Judt




" Nasci na Inglaterra, em 1948 , tarde o suficiente para o serviço militar obrigatório , encerrado anos antes, mas a tempo de conhecer os Beatles : tinha 14 anos quando eles lançaram Love Me do . Três anos depois apareceram as primeiras minissaias : eu já era  velho o bastante para apreciar suas virtudes, e jovem o bastante para tirar proveito delas. Cresci numa era de prosperidade, segurança e conforto - e, portanto, ao completar 20 anos, em 1968, me rebelei. Como tantos jovens do baby boom, eu me conformei com o meu não conformismo."

" Se as palavras entrarem em decadência , o que as substituirá? Elas são tudo o que temos."

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Mal Ronda a Terra - Tony Judt



" Na população em geral existia a crença de que a moderada distribuição de renda , eliminando extremos de riqueza e pobreza , funcionava em benefício de todos. Condorcet observou com sabedoria que "sempre sairá mais barato para o Tesouro colocar o pobre em condições de comprar milho do que baixar o preço do milho até que chegue ao alcance do pobre". Em 1960 ,essa tese se tornara uma política governamental de fato por todo o Ocidente".

" A abertura da economia chinesa e de outros países asiáticos meramente transplantou a produção industrial de regiões de altos salários para outras de baixos salários. E a China ( como muitos outros países em desenvolvimento ) não é só um país de baixos salários - é também, e acima de tudo , um país de "baixos direitos". A ausência de direitos segura os salários e isso continuará acontecendo por um bom tempo - prejudicando também os direitos dos trabalhadores nos países com os quais a China compete. O capitalismo chinês , longe de melhorar os direitos da população, contribui para  sua repressão."

Angélica - Lygia Bojunga



" Tinham dito :
_ Coisa boa que é a vida!
Ele ainda era  bem pequeno, não sabia direito como é que se vivia, andava louco para saber melhor; pensou um bocado, acabou perguntando:
_ Como é que a gente entra na vida, hem? Tem porta pra bater ? E batendo...eles  abrem?
Respoderam rindo:
_ A vida não tem porta, não. A gente nasce no céu e depois as cegonhas trazem a  gente pra terra .
Ele nunca tinha visto uma cegonha, mas mesmo assim achou a história mal contada e acabou dizendo que não acreditava. Então deram outra explicação:
_É o Papai Noel que traz a gente pra vida."

( mais um livro lindo de se ler da Lygia... )

domingo, 15 de abril de 2012

Desbiografias - Manoel de Barros

Desbiografias

Bernardo morava de luxúria com a lesma.
Não era fácil ficar a seu lado sem receber algum contexto de lesma.
Nossa linguagem não tinha função explicativa - mas só brincativa.
Tipo assim: Eu vi uma pedra emocianada de borboletas.
Ou tipo assim: A gente viu a tarde pousada na beira do rio com as suas rosadas pernas.
Era um gosto maior para nós apreciar as pernas rosadas da tarde !
A gente queria com as nossas visões afastar do bom senso o que fosse racional.
E cair no absurdo que faz a beleza da poesia : Tipo assim : Nós vimos um sapo ajoelhado /
      no próprio abandono - Isso dava melhor expressão ao abandono.
E ao sapo.
Porque a gente achava que no abandono a palavra faz fruto.
De noite o deserto era um lugar em nós.

Resumo - Mario Benedetti

Resumo

Resumindo
digamos que oscilamos
entre alegria e tristeza
quase como dizer
entre o céu e a terra
ainda que o céu de agora e o de sempre
se ausente sem aviso

as ideias vão se tornando sólidas
sensações primárias
palavras ainda em rascunho
corações que batem como máquinas
serão nossos ou de outros?
este choro de inverno não é igual
ao suor do verão

a dor é um preço / não sabemos
o custo inalcançável da sabedoria

pensamos e pensamos duramente
e uma paixão estranha nos invade
cada vez mais tenaz
mas mais triste

resumindo
não somos o que fomos
nem menos do que fomos
temos uma desordem na alma
mas vale a pena sustentá-la
com as mãos / os olhos / a memória

tentemos pelo menos nos enganar
como se o bom amor
fosse a vida


( Resumo - Mario Benedetti )

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Livro - Um Encontro - Lygia Bojunga




" Eu gostava muitíssimo de cada leitura que eu fazia dos Irmãos Karamazov , das Recordações da Casa dos Mortos , dos Humilhados e Ofendidos e de outros livros de Dostoievski . Mas eu me lembro que eu andava por aquelas páginas sempre olhando daqui,dali , meio que procurando uma casa, uma rua , um casaco, um machado , enfim : um parentesco , um eco do  Raskolnikov , que era o personagem central do livro do Dostoievski que eu mais amava: Crime e Castigo. Esse livro foi para mim o exemplo perfeito do quanto nós , leitores , podemos nos envolver emocionalmente com um personagem literário.
Eu achava o Crime e Castigo superbem escrito ; os personagens tão variados ! Mas, para ser franca , o meu grande envolvimento com esse livro foi porque eu me apaixonei pelo Raskolnikov , pelo desequilíbrio dele , pelo desespero dele , pela necessidade que ele tinha... eu digo que ele tinha porque eu voltava sempre ao livro , e então a necessidade ia se repetindo ... pela necessidade que ele tinha de baixar o machado no crânio daquela velha , que horror , e ir se entregando , devagarinho , pro castigo.
Assim, toda apaixonada , eu não queria largar o Raskolnikov : de dia, de noite, em casa, na escola , no ônibus , eu tinha sempre que estar abrindo o Crime e Castigo pra me encontrar com ele .
E pela primeira vez , em dez anos de leitora , eu tive a noção ( ainda meio vaga ) da inquietação que pega a gente quando se está assim em estado de amor por um livro : aquela coisa aflita de estar sempre procurando um jeito de ficar sozinha com ele; só a gente e o livro.
É : o Raskolnikov era mesmo uma paixão.

( ai que delícia ler essa declaração ! também eu sofri essa paixão por Raskolnikov! me apaixonei pela sua fraqueza, pelos seus defeitos, por ele. E pelo jeito não fui a única !).

domingo, 18 de março de 2012

Diário de um Banana - Jeff Kinney



" Sabe aquela coisa de fazer uma lista de "promessas" no começo do ano para tentar se tornar uma
pessoa melhor?
Bom, o problema é que não é fácil para mim pensar em maneiras para me aprimorar , porque já sou uma das melhores pessoas que conheço.
Então minha promessa deste ano é tentar ajudar OUTRAS pessoas a se tornarem melhores. Mas o que descobri é que tem gente que não reconhece quando você tenta ser prestativo."



(  coleção pra ler e ser feliz, dar risada com as trapalhadas de Greg Heffley que tem a auto-estima lá pra cima !).

sexta-feira, 9 de março de 2012

Ian McEwan




" Uma vez alguém me perguntou : " Se você pudesse viver até os 150 anos e tivesse a chance de se dedicar a outra carreira , você o faria ?" e eu disse :  " Não, obrigado, eu acho que vou ficar com essa mesmo."

Paul Auster


" Para mim, escrever é físico . Sempre tenho a impressão de que as palavras estão saindo do meu corpo e não apenas da minha mente. Eu escrevo à mão e a caneta está arranhando as palavras na página. Posso até ouvir as palavras sendo escritas. Muito do esforço em escrever prosa, para mim, está ligado a criar sentenças que capturem a música que ouço na minha cabeça . Demanda um bocado de trabalho , escrever, escrever e reescrever até captar a música exatamente como você quer que ela seja . Essa música é uma força física.Você não apenas escreve livros fisicamente, mas também os lê fisicamente . Há algo sobre os ritmos da linguagem que correspondem aos ritmos de nossos próprios corpos. Um leitor atento encontra significados no livro que não podem ser articulados , os encontra no seu corpo. Penso que é isso que muitas pessoas não entendem sobre ficção. Espera-se que a poesia seja musical. Mas as pessoas não entendem a prosa . Elas estão tão acostumadas a ler jornalismo - sentenças funcionais que transmitem informações factuais. Fatos...apenas a superfície das coisas."

( trecho da entrevista concedida á revista literária The Believer Magazine  que reuniu 21 entrevistas e publicou no livro "Conversas entre Escritores" - Editora Vendela Vida ).  




sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O Mínimo e o Escondido - Crônicas de Machado de Assis


"Daquelas conversações tranquilas , algumas longas, estão mortos quase todos os interlocutores , Liais, Fernandes Pinheiro, Macedo, Joaquim Norberto, José de Alencar, só para indicar estes. De resto, a livraria era um ponto de conversação e de encontro. Pouco me dei com Macedo, o mais popular dos nossos autores, pela Moreninha e pelo Fantasma Branco, romance e comédia que fizeram as delícias de uma geração inteira . Com José de Alencar foi diferente ; ali travamos nossas relações literárias. Sentados os dois, em frente à rua, quantas vezes tratamos daqueles negócios de arte e poesia, de estilo e imaginação, que valem todas as canseiras desse mundo. Muitos outros iam ao mesmo ponto da palestra. Não os cito, porque teria de renomear um cemitério, e os cemitérios são tristes, não em si mesmos, ao contrário. Quando outro dia fui a enterrar o nosso velho livreiro, vi entrar no de S. João Batista, já acabada a cerimônia e o trabalho, um bando de crianças que iam divertir-se . Iam alegres como quem não pisa memórias nem saudades. As figuras sepulcrais eram , para elas , lindas bonecas de pedra; todos esses mármores faziam um mundo único, sem embargo das suas flores mofinas, ou por elas mesmas, tal é a visão dos primeiros anos. Não citemos nomes."

( trecho da crônica Garnier do livro "O Mínimo e o Escondido - Crônicas de Machado de Assis" - Luiz Antonio Aguiar ( org.) - Editora Salesiana ).

Frases de Machado de Assis


" É uma porta aberta à imaginação. Porta travessa , se querem ; mas tudo são portas uma vez que se abram e deem passagem à pessoa."

" Eu gosto de catar o mínino e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto."

" As narrações literárias , quando se regem por esse processo, podem vencer o tédio, à força de talento, mas é evidentemente melhor que as coisas e pessoas se exponham por si mesmas , dando-se a palavra a todos, e a cada um a sua natural linguagem."

" Nem é o tamanho que dá primazia à obra, é a feitura dela."

" Não creio em verdades manuscritas. Os próprios versos, que só se fazem por medida, parecem errados,quando escritos à mão. A razão por que muitos moços enganam as moças e vice-versa é escreverem as suas cartas, e entregá-las de mão a mão, ou pela criada, ou pela prima ou por qualquer outro modo, que no meu tempo, era ainda inédito."

( frases encontradas no livro : "O Mínimo e o Escondido - Crônicas de Machado de Assis" - Luiz Antonio Aguiar ( org.) - editora Salesiana ).

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Frases de Emília e uma de Pedrinho



"- Quero ser a Condessa das três estrelinhas ! Acho lindo tudo que é de Três Estrelinhas - a cidade de *** O ano de *** O duque de ***, como está naquele romance que Dona Benta vive lendo."

Emília explica sua evolução : "- Muito simples. Eu de fato fui boneca de pano. Mas evolui e virei gente." "...Eu sou a "evolução gental" daquela bonequinha pernóstica . - Como? - Artes do mistério. Fui virando gentinha e gente sou ; belisco-me e sinto a dor da carne . E também como."

Em Dom Quixote das crianças , os ouvintes de Dona Benta exigem que ela use uma linguagem menos "literária" em sua narrativa . Quando ela concorda , que usará suas palavras , Emília aplaude: "Isso...com palavras suas e de tia Nastácia e minhas também - e de Narizinho - e de Pedrinho e de Rabicó...Nós...queremos estilo clara de ovo, bem transparentinho, que não dê trabalho para ser entendido."

"Sei - disse Emília. - Essas árvores são as vacas vegetais do Amazonas. Os tais seringueiros tiram-lhes o leite e fazem coalhada ; e depois da coalhada fazem requeijão que é a tal borracha."

"...A vida, senhor visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce , isto é , começa a piscar. Quem pára de piscar , chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos - e viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda,dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. É o dia e a noite. É portanto um pisca-pisca..."

"Quando vejo certas mães baterem nos filhinhos, meu coração dói. Quando vejo trancarem na cadeia um homem inocente, meu coração dói. Quando ouvi Dona Benta contar a história de D. Quixote, meu coração doeu várias vezes, porque aquele homem ficou louco apenas por excesso de bondade . O que ele queria era fazer o bem para os homens , castigar os maus, defender os inocentes. Resultado: pau, pau e mais pau no lombo dele. Ninguém levou tanta pancadaria como o pobre cavaleiro andante - e estou vendo que é  isto que acontece a todos os bons. Ninguém os compreende."

" - Para mim , o Minotauro a devorou - disse Emília .- As cozinheiras devem ter o corpo bem temperado, de tanto que lidam com sal ,alho, vinagre, cebolas. Eu, se fosse antropófaga, só comia cozinheiras."


" O que vale não é ser gente grande, é ser gente de coragem." - Pedrinho

( Monteiro Lobato Livro a Livro - Marisa Lajolo e João Luis Ceccantini )

Princesa Amnésia



"O esquecimento é uma ideia brincando de esconde-esconde dentro  de mim"

Amnésia
            princesa

Ela falta aos encontros , sempre perde o trem , chega aos espetáculos uma semana antes ou três  dias depois. Sinais particulares , ela esquece tudo: quem ela é , quem você é , o que fará e porque você está lá.
Ela não tem memória, só um grande buraco negro."


( Princesas Esquecidas ou Desconhecidas ... Philippe Lechermeier , Rebecca Dautremer )

( livro lindo, maravilhoso e onde descobri a linda princesa Amnésia, por quem me apaixonei e me identifiquei. A origem do nome de meu outro blog:  http://www.mundodaamnesia.blogspot.com/ ).

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A figura do rei



" De acordo com o Chevalier e Gheerbrant, em variadas culturas a figura do rei aparece como um elo entre o céu e a terra, detentor de mandato celeste.
No Japão , por exemplo, a descendência do imperador é diretamente ligada a Amaterasu Omikami, a Deusa do Sol. Na China o vocábulo rei é designado pelo carácter wang formado por três traços horizontais paralelos , o céu, o homem e a terra , ligados no meio por um traço vertical. O rei é o centro do império e intermediário entre o céu e a terra.
No Egito o poder do rei ( faraó ) é de tal natureza, que inspira medo. Seus desígnios são tidos como infalíveis e seus julgamentos , como justos. Considera-se que o faraó é possuidor da mesma natureza de uma divindade.
Já entre os celtas o rei era eleito pelos representantes da classe militar e pelos nobres, mas cabia aos druidas vigiar e dar garantias religiosas a essa escolha , ficando o rei como intermediário entre a classe sacerdotal e os súditos, submisso à autoridade dos druidas .
Em alguns imaginários a figura do rei é também concebida "como uma projeção do eu superior , um ideal a realizar".
Quanto à barba - " Da barba branca batendo no peito , da capa vermelha batendo no pé" - está simbolicamente relacionada , segundo Chevalier e Gheerbrant , à virilidade, à coragem e à sabedoria. Geralmente os monarcas e filósofos são representados com barbas. O curioso é que de tal maneira elas estão associadas ao poder e à sabedoria , que "rainhas egípcias são representadas com barba, como sinal de um poder igual ao dos reis.

Na antiguidade , dava-se uma barba postiça aos homens imberbes e às mulheres que tivessem dado prova de coragem e de sabedoria.

( O Contrato de Comunicação da Literatura Infantil e Juvenil - Ieda de Oliveira )

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O Gato Cego - Nelson Rodrigues



" Sem que o dissesse a ninguém , trazia , no mais íntimo de si mesmo , a melancolia do veterinário frustrado. Capitulara ante a psiquiatria porque era um fraco da vontade e porque a mãe e as tias haviam concordado. Avisara , porém , com a necessária antecedência: "De maluco, eu não trato". Formou-se . Mas os colegas juravam, num exagero jocoso e cruel , que ele não saberia aplicar uma injeção, nem receitar um comprimido de dor de cabeça. No dia em que voltou da missa de formatura , reuniu-se, de novo, à família. Dr. Sinval disse , na ocasião :
-Agora, só está faltando um consultório, mas olha : é indispensável que seja um consultório com ar de boate. O ar de boate é o "x" do problema.
Então, com seu jeito triste, Bebeto permitiu-se um desabafo : " O diabo é que não entendo tostão de psiquiatria!" Mas o pai estava lá, vigilante e atalhou; definitivo :
- Não entende , nem precisa entender . Além disso, não te esqueças disso: tu vais tratar de pessoas absolutamente sãs.
O filho, que não tinha caráter muito firme e fora estragado pelos mimos, rosnou, numa pusilimidade total : "Espeto, Espeto!" De noite, na hora de dormir, a mãe foi levar-lhe , como de hábito, uma xícara de mate morno. Bebeto suspirou. Teve um lamento arrancado de suas profundezas:
-Eu quis tanto ser veterinário!
Aquelas mulheres, economizando tostão a tostão, através dos anos tinham juntado uma quantia substancial. E, assim, pode montar-se, no centro da cidade, um consultório que parecia extraído das Mil e uma noites e oferecia no seu aspecto todo o ar necessário de uma boate. Era uma coisa tão bonita e insólita que D. Detinha exigiu do marido: "Olha, Sinval, você não pode fumar, aqui, seus charutos. Fume onde quiser. Aqui não." Prontamente ele atendeu. Foi à janela , atirou em cima de um bonde um de seus mata-ratos inenarráveis . No fundo , deu razão à mulher, pois lhe pareceu que fumar um charuto barato naquele ambiente seria uma profanação.
Inaugurou-se , numa quinta-feira, o consultório quase oriental. Dr. Sinval, com as duas mãos nos bolsos, olhando de um lado para outro, inclusive para cima, com uma euforia de pai do proprietário, exclamou:
-Com esse troço aqui, tu podes cobrar, no barato, duas mil pratas por sessão!
Mas nessa noite, o novel analista entrou em casa com um gatinho que encontrara numa sarjeta, miando com a mais patética das sinceridades . Na cozinha deu leite num pires ao pequeno solitário animal. Depois sentou-se na cadeira de balanço, com o gatinho no colo. E o afagou, horas a fio, com a mais desesperada das ternuras.
A primeira cliente que se submeteu à psicanálise do Bebeto foi uma grã-fina, loira e linda, que pagou as duas mil pratas da sessão, com lânguida naturalidade. Estava,ali, porque, 15 dias atrás , enfiara um cigarro aceso na vista de um gato, cegando-o. Fumando um outro cigarro , e com divertida curiosidade, perguntava ao jovem médico, dono de um consultório tão bonito:
-Isso quer dizer o quê?
Durante um longo, um infinito minuto, ele não respondeu nada. Súbito, estendeu a mão :
-Quer me ceder, um momento, seu cigarro?
Sem compreender, a grã-fina atendeu. Ele arremessou-se então. Dominou-a rapidamente. Calcou, num dos seus olhos azuis e lindos a brasa do cigarro. Largou-a, cega, enchendo o edifício com seus gritos. Quando arrombaram a porta e invadiram a sala de psicanálise, ele, de braços cruzados, esperava, sem medo e sem remorso.
Primeiro, foi levado para a delegacia. Depois, tiveram que interná-lo."

( do livro A Vida Como Ela É ... )

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Menino Palito e Garota Fósforo - Tim Burton




" Menino Palito gostava da Garota Fósforo.
Gostava era pouco:
Sua figura esbelta
O deixava louco.
Mas como acender entre eles
A chama da paixão? Simples.
Foi só seguir seu desejo à risca,
Que ele saiu queimando faísca."

( O Triste Fim do Menino Ostra e Outras Histórias - Tim Burton )