terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Contos de Lugares Distantes - Shaun Tan


Chuva ao Longe

"Você já se perguntou o que acontece com todos os poemas que as pessoas escrevem? Aqueles poemas que elas não deixam ninguém ler?
  Talvez eles sejam pessoais  e particulares demais.
  Talvez não sejam bons o bastante.
  Talvez a mera sensação de que alguém possa ler uma manifestação tão sincera seja vista como :
   deselegante,
   frívola, boba, pretensiosa, melosa, banal, sentimental,
   trivial, tediosa, excessiva ,obscura, , inútil, estúpida,
   ou apenas vergonhosa.
   É o suficiente para dar a qualquer aspirante a poeta boa razão para esconder sua obra dos olhos do público. Para sempre.
  (...)
  Com tempo + sorte a bola de poesia se torna grande, imensa, enorme:
  um vasto acúmulo de pedaços de papel que acaba subindo ao ar , levitando apenas com a força de tanta emoção não dita.
   Infelizmente,
   uma grande bola de papel, não importa o quão grande e flutuante , ainda é algo frágil.
   Mais cedo ou mais tarde ela será surpreendida por uma rajada de vento, castigada por chuva forte e reduzida , em questão de minutos, a um bilhão de tiras molhadas.
    Uma manhã, todos acordarão para ver uma polposa sujeira cobrindo os jardins, entupindo sarjetas e encobrindo para-brisas. O trânsito ficará prejudicado. As crianças, encantadas. Os adultos,perplexos, incapazes de conceber de onde veio tudo aquilo.
     Ainda mais estranho será descobrir que cada massa de papel molhado contém diversas palavras desbotadas, prensadas, em versos acidentados.
     Quase invisíveis, mas inegavelmente presentes. E para cada leitor vão cochichar uma coisa diferente.
     Coisas alegres, coisas tristes,
     verdadeiras,
     absurdas,
     hilárias, profundas e perfeitas.
     Ninguém será capaz de explicar a estranha sensação de leveza, nem o sorriso escondido que perdura.
     Mesmo que os varredores de rua  vem e vão."


( textos lindos que acompanhados das ilustrações torna o livro perfeito!)



segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Diário de Berlim Ocupada - 1945- 1948 - Ruth Andreas - Friedrich



" Sexta-feira, 19 de outubro de 1945

Em Nuremberg , é formado um tribunal internacional para julgar "os principais criminosos de guerra do Eixo." Isto é, os principais criminosos de guerra que não escaparam à condenação internacional. Hitler, Himmler, Goebbels e Bormann, os verdadeiros chefões, não vão se sentar no banco dos réus.
Hitler suicidou-se. Goebbels deu um tiro na cabeça. Himmler envenenou-se. Bormann teve fim misterioso e desconhecido. Vinte e quatro acusados. O julgamento deverá começar em trinta dias. O texto das acusações preenche sete páginas densamente impressas no jornal. Extermínio de judeus, crimes contra a humanidade; crimes contra a paz; assassinato de reféns; maus tratos de prisioneiros de guerra; eutanásia; câmaras de gás; campos de concentração; trabalho escravo;  masmorras.
Um conglomerado de atrocidades humanas. Como isso não nos enraivece e envergonha? Observando as pessoas folhearem indiferentemente o vergonhoso documento de sete páginas , fica-se com a impressão de que aquilo nada tem a ver com elas. Nem os crimes, nem os criminosos , tampouco a culpa ou a punição.
"Incompreensível!" - dizem os aliados. "Absolutamente desconcertante! Onde está o ódio que, supostamente, consumia milhões de alemães?'
(...)
O destino nos escamoteou a represália particular. Agora alguns chefões estão sendo julgados. Não por nós, mas por um tribunal estrangeiro. E pela perdida represália particular temos de nos ajustar a uma nebulosa culpa coletiva. Demasiadamente nebulosa para embaraçar seriamente o alemão comum. Demasiadamente coletiva para ser entendida como responsabilidade individual."

sábado, 11 de janeiro de 2014

Memórias de uma moça malcomportada - Bianca Lamblin


" Para definir suas relações , Sartre e Simone de Beauvoir tinham inventado um termo bizarro: segundo eles, haviam contraído um "matrimônio morganático" , expressão bastante pomposa para referir-se a "uma união contraída por um príncipe com uma mulher de condição inferior". Essa maneira de qualificar tal pacto revelava a ambiguidade de ambos sobre o assunto: recusavam-se a aceitar o rito do casamento, mas sentiam-se obrigados a forjar um  substitutivo . Eu tinha muita dificuldade em entender por que , quando se amava um homem como ela amava Sartre, se recusava  a dormir sob o mesmo teto ou desejar não ter filhos dele. Eu podia ver que a vida de hotel e as refeições em restaurantes economizavam muito tempo, e admitia que Simone não tivesse nenhum  gosto ou disposição para as tarefas domésticas. Mas, quanto à ideia de ter filhos, eu ainda não havia percebido a que ponto a simples hipótese de uma criança repugnava , de modo visceral, tanto a um quanto a outro."

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A Brincadeira Favorita - Leonard Cohen




 "Assim como a neblina não deixa marcas
 Na colina verde-escura
 Meu corpo também não deixa marcas
 No seu, nem nunca deixará.

 Quando vento e uivo se encontram,
 O que sobra?
 Assim é o nosso encontro,
 Depois nos viramos, e pegamos no sono.

 Assim como há noites que ficam
 Sem lua, sem estrela,
 Assim ficaremos
 Quando um de nós tiver partido."

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Cidades de Papel - John Green

 
"-Vou mandar um e-mail para você quando chegar em casa , e espero uma resposta .
 - Prometo que vou responder . A gente se vê . A gente ainda vai se encontrar de novo.
 - No final do verão, talvez eu possa encontrar você em algum lugar , antes do início das aulas da faculdade - digo.
 - É - responde ela. - Boa ideia.
Sorrio e aceno. Ela se vira de costas para mim e fico me perguntando se está sendo sincera , então vejo seus ombros tremerem . Está chorando.
- Até mais, então. Vou escrever para você enquanto isso - digo.
- É - responde ela sem se virar, a voz embargada. - Eu também.
Dizer essas coisas é o que nos impede de desmoronar . E, talvez, ao imaginar esses futuros, a gente possa torná-los reais, ou não; de qualquer forma temos que imaginá-los . A luz sai e nos inunda."



( outro livro incrível do John Green ).


Um Gato de rua chamado Bob - James Bowen



"Viver nas ruas de Londres desnuda sua dignidade , sua identidade - sua totalidade , de fato. O pior de tudo, desnuda a opinião das pessoas a seu respeito. Elas veem que você está vivendo nas ruas e o tratam como uma não pessoa. Não querem ter nada a ver com você . Em pouco tempo, você passa a não ter  sequer um amigo de verdade no mundo. Enquanto estava dormindo ao relento , consegui um emprego para trabalhar como porteiro de uma cozinha . Mas eles me demitiram quando descobriram que eu era um sem-teto , embora não houvesse feito nada de errado no trabalho. Realmente , quando não se tem uma moradia, tem-se muito poucas chances.
A única coisa que poderia ter me salvado seria voltar para a Austrália. Tinha uma passagem de volta, mas perdi meu passaporte duas semanas antes do voo. Não tinha a documentação e, além disso, não tinha dinheiro para providenciá-la . Qualquer esperança que tivesse de voltar para minha família na Austrália desapareceu. E assim, de certa forma, eu também.




( infelizmente essa realidade não pertence apenas a Londres... )