terça-feira, 29 de maio de 2012

O Quinze - Rachel de Queiroz




" Foi estranha a impressão de Vicente, acordando de madrugada, com um barulho desacostumado no telhado.
- Chuva ? Possível ?!
Meteu os pés da rede, correu ao alpendre:
- Chuva!
Chuva fresca e alegre que tamborilava cantando na velha telha, e corria nas biqueiras empoeiradas, e se embebia depressa no barro absorvente do terreiro!
Vicente, correndo ainda, foi à sala de jantar, escancarou a janela que dava para o curral.
A chuva saraivava de flanco as reses magríssimas, que se encolhiam trêmulas, erguendo olhos de assombrado espanto para o céu escuro.
E os pingos de água, batendo-lhes nos couros ressequidos, como que vazios interiormente, pareciam soar com um retumbo de tambores.
Sofregamente , o rapaz estendeu a cabeça fora da janela.
Entreabriu os lábios, recebendo no rosto, na boca, a umidade bendita que chegava.
E longamente ali ficou, sorvendo o cheiro  forte que vinha da terra, impregnado dum calor de fecundação e renovamento, deixando que se molhasse o cabelo revolto, e lhe escorresse a água fria pela gola, num batismo de esperança, a que ele deliciadamente se entregava , sentindo nas veias, mais ativo, mais alegre, o sangue subir e descer  em gólfãos irrequietos."

O Chalé da Memória - Tony Judt




" Nasci na Inglaterra, em 1948 , tarde o suficiente para o serviço militar obrigatório , encerrado anos antes, mas a tempo de conhecer os Beatles : tinha 14 anos quando eles lançaram Love Me do . Três anos depois apareceram as primeiras minissaias : eu já era  velho o bastante para apreciar suas virtudes, e jovem o bastante para tirar proveito delas. Cresci numa era de prosperidade, segurança e conforto - e, portanto, ao completar 20 anos, em 1968, me rebelei. Como tantos jovens do baby boom, eu me conformei com o meu não conformismo."

" Se as palavras entrarem em decadência , o que as substituirá? Elas são tudo o que temos."

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O Mal Ronda a Terra - Tony Judt



" Na população em geral existia a crença de que a moderada distribuição de renda , eliminando extremos de riqueza e pobreza , funcionava em benefício de todos. Condorcet observou com sabedoria que "sempre sairá mais barato para o Tesouro colocar o pobre em condições de comprar milho do que baixar o preço do milho até que chegue ao alcance do pobre". Em 1960 ,essa tese se tornara uma política governamental de fato por todo o Ocidente".

" A abertura da economia chinesa e de outros países asiáticos meramente transplantou a produção industrial de regiões de altos salários para outras de baixos salários. E a China ( como muitos outros países em desenvolvimento ) não é só um país de baixos salários - é também, e acima de tudo , um país de "baixos direitos". A ausência de direitos segura os salários e isso continuará acontecendo por um bom tempo - prejudicando também os direitos dos trabalhadores nos países com os quais a China compete. O capitalismo chinês , longe de melhorar os direitos da população, contribui para  sua repressão."

Angélica - Lygia Bojunga



" Tinham dito :
_ Coisa boa que é a vida!
Ele ainda era  bem pequeno, não sabia direito como é que se vivia, andava louco para saber melhor; pensou um bocado, acabou perguntando:
_ Como é que a gente entra na vida, hem? Tem porta pra bater ? E batendo...eles  abrem?
Respoderam rindo:
_ A vida não tem porta, não. A gente nasce no céu e depois as cegonhas trazem a  gente pra terra .
Ele nunca tinha visto uma cegonha, mas mesmo assim achou a história mal contada e acabou dizendo que não acreditava. Então deram outra explicação:
_É o Papai Noel que traz a gente pra vida."

( mais um livro lindo de se ler da Lygia... )