quarta-feira, 10 de junho de 2009

Uma Brincadeira


"Certa vez, ao anoitecer - faltavam uns dois dias para a minha viagem - estava eu sentado no jardim, que um alto tapume com pregos separa do pátio da casa de Nadia...Ainda está bastante frio, há restos de neve no solo, as árvores continuam adormecidas, mas já cheira a Primavera e os corvos, preparando-se para a noite, armam uma grande algazarra.Aproximo-me do muro e, durante muito tempo, espreito por uma fenda.Vejo Nadia sair para o terraço e dirigir ao céu um olhar
aflito,plangente...O vento primaveril sopra-lhe na cara pálida e triste.Ele traz-lhe a recordação daquele outro vento que nos silvara nos ouvidos no escorregadouro, onde ouvira aquelas palavras de amor; o rosto de Nadia torna-se melancólico, e uma lágrima corre-lhe pela face...A pobre moça estende ambos os braços, como que rogando ao vento que lhe traga outra vez aquelas palavras.E, logo que o vento sopra na direção dela, digo:
_Amo-a,Nadia!
Meu Deus, que reação aquilo provocou nela!Solta um grito, abre-se num largo sorriso e estende os braços ao encontro do vento, alegre,feliz,tão linda...
Eu volto para dentro, para fazer as malas...
Isto passou-se há muito tempo.Nadia já está casada; casaram-na ou casou-se - vem dar ao mesmo - com um funcionário qualquer e tem três filhos.
Não esqueceu como outrora escorregamos nem as palavras que o vento lhe levava:
"Amo-a,Nadia". Para ela, essa é a mais feliz, a mais comovedora e bela recordação da vida...
E eu, agora mais velho, já não sei para que dizia aquelas palavras, para que brincava..."

( trecho do conto "Uma Brincadeira" de 1886 de Anton P. Tchekhov - Contos e Novelas)

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