segunda-feira, 1 de junho de 2009

A conversão do diabo


"O sacerdote moribundo olhava cheio de alegria a seu redor, e se entregava a suas recordações. O sol desaparecia pouco a pouco.
_ Amo também Florença, esta formosa cidade em que vivi tanto tempo - continuou o sacerdote.- Agradava-me sentir sob meus pés as pedras tépidas de suas calçadas. Ah! meu amigo, quando se anda pela terra setenta anos, esta se torna em alguma coisa assim como nossa mãe, e até suas pedras perdem a dureza...E isto que estou dizendo será ainda mais certo ali, onde vou agora...
O diabo soltou um suspiro, o sacerdote, que continuava em seus braços, sentiu-o; compreendeu a dor do diabo e lhe disse com morimbunda entonação:
_ Não suspires...Não se desesperes...É muito possível, meu amigo, que também vás ao Paraíso...porque és...um diabo...muito bom...
O sol verteu manchas sangrentas pelo céu, empurrando o horizonte e extinguido-se. O velho sacerdote extinguiu-se com o sol. Morreu, abandonando sua querida Florença e todas aquelas terras, que tanto amava.
Desesperado o diabo esforçava-se por despertá-lo, falando-lhe com voz rude e áspera:
_ E as estrelas, meu padre? O senhor não viu ainda a lua, que está quase a surgir no horizonte, e vai projetar, neste instante,sua pálida luz sobre as lajes da sua amada Florença. Abra os olhos, meu padre! Suplico-lhe...
Quando compreendeu que tudo estava findo, e que o amigo e protetor estava bem morto, transportou-o para baixo, para sua alcova. E enquanto o levava , em seus braços, pensava: "Subi com ele vivo ao campanário, e o desço morto!"
Uma dor profunda apoderou-se da alma do diabo. Agitava-se, chorava, gemia, uivava como um animal feroz, arrepelando os cabelos: não estava acostumado à dor humana, e manifestava-o de forma ridícula. Tão grande era o seu desespero que, apanhando seu único tesouro - o manuscrito despedaçado - o atirou a um canto. No entanto, ao fazer isso, não compreendeu que, precisamente naquele instante, se realizava o bem, esse bem intangível, que ele procurava com tanto afã e á custa de tantos e tão grandes sofrimentos. E não compreendeu em toda a sua vida".

( trecho do lindo conto "A conversão do diabo" do escritor russo Leônidas Andreiev - Maravilhas do Conto Russo )

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