terça-feira, 29 de maio de 2012

O Quinze - Rachel de Queiroz




" Foi estranha a impressão de Vicente, acordando de madrugada, com um barulho desacostumado no telhado.
- Chuva ? Possível ?!
Meteu os pés da rede, correu ao alpendre:
- Chuva!
Chuva fresca e alegre que tamborilava cantando na velha telha, e corria nas biqueiras empoeiradas, e se embebia depressa no barro absorvente do terreiro!
Vicente, correndo ainda, foi à sala de jantar, escancarou a janela que dava para o curral.
A chuva saraivava de flanco as reses magríssimas, que se encolhiam trêmulas, erguendo olhos de assombrado espanto para o céu escuro.
E os pingos de água, batendo-lhes nos couros ressequidos, como que vazios interiormente, pareciam soar com um retumbo de tambores.
Sofregamente , o rapaz estendeu a cabeça fora da janela.
Entreabriu os lábios, recebendo no rosto, na boca, a umidade bendita que chegava.
E longamente ali ficou, sorvendo o cheiro  forte que vinha da terra, impregnado dum calor de fecundação e renovamento, deixando que se molhasse o cabelo revolto, e lhe escorresse a água fria pela gola, num batismo de esperança, a que ele deliciadamente se entregava , sentindo nas veias, mais ativo, mais alegre, o sangue subir e descer  em gólfãos irrequietos."

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