sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A Balada de Adam Henry - Ian McEwan


"O rosto fino e pálido, as sombras roxas abaixo dos grandes olhos cor de violeta. A língua coberta por uma película branca, braços como gravetos, tão doente, tão decidido a morrer, tão cheio de encanto e vida, páginas com seus poemas espalhadas pela cama, implorando a ela que permanecesse e os dois tocassem de novo a música, quando Fiona precisava regressar ao tribunal.
Lá, com a autoridade e dignidade de sua posição, ela lhe havia oferecido, em vez da morte, toda a vida e o amor  que se abriam diante dele. E proteção contra sua religião. Sem fé, como o mundo deve ter lhe parecido ilimitado, belo e aterrador!
Com tal pensamento, ela foi caindo de novo num sono ainda mais profundo e acordou minutos depois ao ouvir o cantar e os suspiros das calhas do telhado. Será que a chuva iria parar algum dia? Viu a figura solitária caminhando pela alameda do Leadman Hall, encurvada para se defender da tempestade de verão, avançando em meio às trevas, ouvindo os galhos que caíam. Ele devia ter visto à frente luzes na casa e sabido que ela se encontrava lá. Tiritou de frio numa dependência dos fundos, sem saber o que fazer, aguardando uma oportunidade de falar com ela, arriscando tudo na busca de - o quê, exatamente?
E acreditando que poderia obtê-lo de uma mulher de sessenta anos que jamais arriscara nada na vida a não ser nuns poucos episódios estouvados em Newcastle fazia muito tempo. Ela devia ter se sentido lisonjeada. E pronta.Em vez disso, num impulso poderoso e indesculpável, o beijara e depois o mandara embora.
Mais tarde, ela fugira também. Negara-se a responder às cartas dele. Negara-se a decifrar o alerta no poema dele. Que vergonha sentia agora dos temores mesquinhos que tivera sobre sua reputação! Aquela transgressão escapava ao alcance de qualquer comitê disciplinar. Adam a tinha procurado e ela não ofereceu nada no lugar da religião, nenhuma proteção, embora a lei fosse clara ao determinar que sua principal preocupação devia ser o bem-estar dele. Quantas páginas em quantos julgamentos ela já não devotara a esse propósito? Bem-estar, felicidade, um conceito social. Nenhuma criança é uma ilha. Ela pensava que suas responsabilidades terminavam na porta do tribunal. Mas como seria possível? Adam tratou de encontrá-la, querendo o que todo mundo quer, e que só pessoas de mente aberta, e não o sobrenatural, podiam dar: um sentido para a vida".

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