sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Detalhes de um Por-do-sol - Wladimir Nabokov


"Há pequenos ruídos que são mais assustadores do que um tiroteio. Tchorb deixou o baú de lado e caminhou pelo quarto. Uma mariposa atingiu a lâmpada, que respondeu com um tinido metálico. Tchorb abriu a porta de repelão e saiu.
Descendo a escada se deu conta de como estava cansado e, ao chegar à ruela, o azul vaporoso da noite de maio fez com que se sentisse tonto. Dobrando no bulevar , caminhou mais rápido. Uma praça. A estátua de pedra que representava algum herói militar. A massa sombria do parque da cidade.Os castanheiros estavam agora em flor. Então era outono. Tinha dado um longo passeio com ela na véspera do casamento. Como era  bom o cheiro da terra, de umidade, quase mesmo de violetas,que se desprendia das folhas mortas espalhadas pela calçada!
Naqueles dias encantadores de tempo encoberto , o céu era de um branco-fosco e, em meio ao asfalto negro, as pequenas poças que refletiam os galhos lembravam uma fotografia mal revelada. As mansões  de pedras cinzentas eram separadas  pela folhagem terna e imóvel das árvores que se amareleciam ; diante da casa dos Keller , as folhas de um álamo já murcho haviam adquirido a tonalidade  de uvas transparentes. Viam-se  também algumas bétulas por trás das grades do portão, seus troncos agasalhados por espessas camadas de hera. Tchorb fez questão de lhe dizer que na Rússia isso não acontecia, ao que ela observou que os tons castanho-avermelhados de suas minúsculas folhas  pareciam delicadas manchas de ferrugem numa toalha passada a ferro. Carvalhos e castanheiros ladeavam calçadas; os pontos em que suas cascas negras haviam apodrecido se assemelhavam a um manto de veludo verde; vez por outra uma folha se soltava e atravessava a rua voando como um pedaço de papel de embrulho. Ela tentava apanhá-las em pleno voo com uma pá de brinquedo  que achara junto a um monte de tijolos rosados onde havia um conserto na rua.Mais adiante, da chaminé de um caminhão de trabalhadores subia em diagonal uma fumaça cinza-azulada que se dissolvia entre as ramagens - e um operário na sua hora  de descanso, uma das mãos no quadril, ficou contemplando a jovem que, tão leve quanto uma folha morta, dançava com a pequena pá na mão erguida. Ela ria, saltitava de um lado para o outro. Tchorb, curvando um pouco os ombros, caminhava atrás dela - e lhe parecia que a própria felicidade tinha aquele cheiro, o cheiro de folhas mortas."


( trecho do belíssimo conto "O Retorno de Tchorb" )

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.