segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Histórias de Paris - Mario Benedetti


"E de repente se faz um silêncio. Um silêncio espesso depois de tanta conversa transparente. Estou sentado na beira do catre, e ela está perto, na minha única cadeira , com os cotovelos apoiados na minha mesa cambaia  e roída pelos cupins. Então a puxo. Suavemente, como quem recupera um projeto inconcluso, mas agora com mais tino, mais experiência, mais profundidade, mais vontade de torná-lo real. Ela se deixa abraçar e até diria que me abraça, entretanto,graças ao espelho onde faço a barba todos os dias, posso ver que está olhando de novo para o infinito. Então a afasto com todo o carinho de que disponho, que é bastante, e pego seu rosto entre as mãos. Estou abalado, mas mesmo assim encontro forças para lhe perguntar o que está acontecendo, o que há com ela. Murmura alguma coisa num tom  tão baixo que não consigo captar uma palavra. Pega a minha mão e a guia lentamente até seu suéter marrom, na realidade até um dos seus peitos sob a lã penteada.
Não sei por quê, mas entendo que aquele gesto não tem o significado mais óbvio. Os olhos que me olham estão secos. Não pode ser, não vai ser, não tem volta, entende?
Isso é o que diz. Não pode ser, por mim e por você. Isso é o que diz. Todas as paisagens mudaram, em toda parte há andaimes, toda parte há escombros. Isso é o que diz. Minha geografia, Roberto. Minha geografia também mudou. Isso é o que diz."

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