quarta-feira, 8 de junho de 2011

Caetés - Graciliano Ramos


"De repente levantei-me, fui á sala de jantar , chamei :
- Ó d. Maria José, faça o favor. A senhora sabe como se prepara uma buchada?
Ela veio, paciente, enxugando os dedos no avental:
- Sei. O senhor quer comer buchada ?
- Não. Isso é comida de selvagem. Os caetés. Depois lhe conto.
- Mas que interesse...
- É história comprida. Preciso saber como se cozinha um homem. Como é, d. Maria ?
- Um homem? Está aí! Foi o conhaque.
E voltou-me as costas.
- Espera lá criatura.Quem lhe falou em homem? Um bode , é claro, um carneiro.Tira-se o couro do bicho, esquarteja-se . Até aí eu sei.Como é o resto?
- Lava-se tudo muito bem lavado, começou a hospedeira desconfiada.
- Exatamente, numa gamela, já ouvi dizer.E viram-se as tripas pelo aveso com uma vara, também já ouvi dizer. Mas os caetés não tinham higiene.
- Como?
- Uma observação à-toa.Continue.
- É só, está pronto.
- Pronto o quê, d. Maria? A senhora não está vendo que ninguém vai comer aquilo cru?
Ela forneceu-me algumas noções, que reputei preciosas.
- Muito obrigado, d. Maria José. Vou preparar o Sardinha pela sua receita e misturo tudo com pirão de farinha de mandioca. Fica uma porcaria.
- O senhor não quer tomar uma xícara de café sem açúcar?
- Eu? pensa que estou bêbedo? Estou no meu tino perfeito. A propósito, que horas são?
- Cinco. Os outros não devem tardar.
- Cinco? Será possível? Ora veja. A arte é coisa admirável.Com a preocupação de arranjar o jantar dos índios , esqueci o meu jantar.Pois eles que esperem, não comem hoje. E traga-me o conhaque. Deus lhe pague, d. Maria.A senhora acaba de prestar um grande serviço á pátria."

( o personagem João Valério em uma de suas inspirações para escrever seu romance "Caetés"  ).

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