
"Não quer abrir os olhos absurdamente , mas sabe que pulou para fora,essa matéria fria,essa delícia é o ar livre,e não quer abrir os olhos e espera um segundo,dois segundos,deixa-se viver em um tempo frio e diferente ,o tempo do lado de fora do pulôver,está de joelhos e é belo estar assim,até que,pouco apouco,reconhecidamente entreabre os olhos livres da baba azul da lã do lado de dentro,entreabre os olhos e vê as cinco unhas negras suspensas apontando para seus olhos,vibrando no ar antes de saltar contra seus olhos, e tem tempo de baixar as pálpebras e jogar-se para trás , cobrindo-se com a mão esquerda que é sua mão,que é tudo o que lhe resta para se defender de dentro da manga,para que puxe para cima a gola do pulôver e a baba azul envolva outra vez seu rosto,enquanto se levanta para fugir a outra parte,para chegar afinal a alguma parte sem mão e sem pulôver,onde somente haja um ar ruidoso que o envolva e o acompanhe e o acaricie e doze andares."
( do conto Ninguém tem culpa - Julio Cortázar - Final do Jogo )