terça-feira, 23 de agosto de 2016

Na Escuridão,amanhã - Rogério Pereira


"Atravessei a fronteira,mãe.Não retornarei. Sei que é impiedoso, covarde, dizer-lhe: prefiro a guerra, os tiros, o estrondo frio da morte, os corpos despedaçados, os mortos amontoados, a esta nossa família;ou tua, ou dele. Pouco importa de quem seja esta família, este ensaio malsucedido de agrupamento.
Você não é culpada. O pai nos levou até aí. Nunca nos perguntou nada, nunca nos ouviu. Sempre fomos marionetes na mão dele, ventríloquos mudos à porta do inferno. Ele nos moldou a todos num barro ruim, num barro que não dava liga, não grudava. Aos poucos só podia acontecer: ruímos. Nossas pilastras se despedaçaram. Não havia sustentação. A nossa casa era a de palha. Veio abaixo pelas nossas fraquezas e silêncios. E pelo pecado. Deveríamos tê-lo enfrentado. Uma única vez. Seria diferente? Duvido. Ele sempre foi um tirano dos mais ordinários. Um tirano que nos obrigava a chamá-lo de "pai". O que é um pai? Nunca saberemos. Mas agora não adianta inundar as entranhas com o veneno da maledicência. Não retornarei. Ele nos carregou para o meio da inferno. Até parecia querer testar a maldição do nosso nascimento."

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