se eu pudesse leria todos os livros que gosto pra ti, como não posso, escrevo as palavras encantadas que me encantaram.
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
A Hora da Estrela - Clarice Lispector
"Havia coisas que não sabia o que significavam . Uma era "efeméride" . E não é que Seu Raimundo só mandava copiar com sua letra linda a palavra efemérides ou efeméricas ? Achava o termo efemérides absolutamente misterioso. Quando o copiava prestava atenção a cada letra . Glória era estenógrafa e não só ganhava mais como não parecia se atrapalhar com as palavras difíceis das quais o chefe tanto gostava. Enquanto isso a mocinha se apaixonara pela palavra efemérides.
Outro retrato : nunca recebera presentes. Aliás não precisava de muita coisa. Mas um dia viu algo que por um leve instante cobiçou: um livro que Seu Raimundo , dado a literatura , deixara sobre a mesa. O título era "Humilhados e Ofendidos". Ficou pensativa. Talvez tivesse pela primeira vez se definido numa classe social . Pensou, pensou, pensou! chegou á conclusão que na verdade ninguém jamais a ofendera , tudo que acontecia era porque as coisas são assim mesmo e não havia luta possível, para que lutar?
Pergunto eu : conheceria ela algum dia do amor o seu adeus? Conheceria algum dia do amor os seus desmaios? Teria a seu modo o doce voo? De nada sei. Que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só . A nordestina se perdia na multidão . Na praça Mauá onde tomava o ônibus fazia frio e nenhum agasalho havia contra o vento. Ah mas existiam os navios cargueiros que lhe davam saudades quem sabe de quê . Isso só ás vezes. Na verdade saía do escritótio sombrio, defrontava o ar lá de fora, crepuscular, e constatava então que todos os dias á mesma hora fazia exatamente a mesma hora."
( primeiro assisti o filme baseado no livro então Macabéa ganhou esse rosto, e não a esqueci mais. Lindo livro, lindo filme. )
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Desonra - J.M. Coetzee
" Em inglês moderno , friend , amigo , do inglês antigo freond, do verbo freon , amar."
( só uma frase, e linda ! )
( só uma frase, e linda ! )
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Viérotchka - Anton Tchekhov
" Amolecido, Ogniov beijou , mais uma vez o velho e começou a descer a escada. No último degrau, voltou a cabeça e perguntou :
_ Ainda nos veremos um dia?
_ Deus sabe! - respondeu o velho.- Provavelmente nunca!
_Sim, é verdade! Não se consegue atraí-lo a São Petersburgo nem com pão de leite, e eu dificilmente virei parar mais uma vez neste distrito. Bem, adeus!
_Deveria deixar aqui os livros! - gritou-lhe Kuznietzov. - Para que precisa carregar esse peso? Eu mandaria para a sua casa amanhã, por um criado.
Mas Ogniov não o ouvia mais, afastando-se rapidamente da casa. A sua alma, aquecida pelo álcool, estava ao mesmo tempo alegre, tépida e triste...Caminhando, pensava em quão frequentemente encontra-se na vida gente boa e como é lamentável que esses encontros não deixem nada, além de recordações. Acontece aparecerem num repente cegonhas no horizonte, a brisa ligeira traz os seus gritos entre tristonhos e eufóricos ,e, num instante depois, por mais avidamente que fixemos a vista nos longes azuis, não vemos um ponto, não ouvimos um som sequer : assim também as pessoas, com os seus semblantes, as suas falas, aparecerem ligeiramente na vida e submergem em nosso passado, não deixando mais que as pegadas insignificantes da memória. Vivendo desde a primavera no distrito de N. e visitando quase diariamente os cordiais Kuznietzov, Ivan Alieksiéitch acostumou-se como um parente ao velho, á filha, aos criados, aprendeu a conhecer até nos mínimos detalhes toda a casa, o terraço aconchegado , as curvas das alamedas do jardim, as silhuetas das árvores sobre a cozinha e a casa dos banhos; mas daqui a um instante ele passará o portão, e tudo isso se transformará em recordação, perdendo para sempre a significação real, e, passados ainda um ano ou dois, todas essas imagens queridas hão de empalidecer na consciência, a par das invenções e dos frutos da fantasia.
"Na vida, não existe nada mais caro que as pessoas!", pensava emocionado Ogniov, caminhando pela alameda, em direção ao porão. "Nada!"
( trecho do conto Viérotchka - do livro As Três Irmãs e contos - Anton P. Tchekhov )
_ Ainda nos veremos um dia?
_ Deus sabe! - respondeu o velho.- Provavelmente nunca!
_Sim, é verdade! Não se consegue atraí-lo a São Petersburgo nem com pão de leite, e eu dificilmente virei parar mais uma vez neste distrito. Bem, adeus!
_Deveria deixar aqui os livros! - gritou-lhe Kuznietzov. - Para que precisa carregar esse peso? Eu mandaria para a sua casa amanhã, por um criado.
Mas Ogniov não o ouvia mais, afastando-se rapidamente da casa. A sua alma, aquecida pelo álcool, estava ao mesmo tempo alegre, tépida e triste...Caminhando, pensava em quão frequentemente encontra-se na vida gente boa e como é lamentável que esses encontros não deixem nada, além de recordações. Acontece aparecerem num repente cegonhas no horizonte, a brisa ligeira traz os seus gritos entre tristonhos e eufóricos ,e, num instante depois, por mais avidamente que fixemos a vista nos longes azuis, não vemos um ponto, não ouvimos um som sequer : assim também as pessoas, com os seus semblantes, as suas falas, aparecerem ligeiramente na vida e submergem em nosso passado, não deixando mais que as pegadas insignificantes da memória. Vivendo desde a primavera no distrito de N. e visitando quase diariamente os cordiais Kuznietzov, Ivan Alieksiéitch acostumou-se como um parente ao velho, á filha, aos criados, aprendeu a conhecer até nos mínimos detalhes toda a casa, o terraço aconchegado , as curvas das alamedas do jardim, as silhuetas das árvores sobre a cozinha e a casa dos banhos; mas daqui a um instante ele passará o portão, e tudo isso se transformará em recordação, perdendo para sempre a significação real, e, passados ainda um ano ou dois, todas essas imagens queridas hão de empalidecer na consciência, a par das invenções e dos frutos da fantasia.
"Na vida, não existe nada mais caro que as pessoas!", pensava emocionado Ogniov, caminhando pela alameda, em direção ao porão. "Nada!"
( trecho do conto Viérotchka - do livro As Três Irmãs e contos - Anton P. Tchekhov )
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Não Se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo - Nelson Rodrigues
" O mais importante, o fundamental, você tem : ama e é amada . E se quer obter um mínimo de felicidade, parta, sempre , do seguinte princípio : - o verdadeiro amor não pode ser integralmente feliz . Você sabe qual é o verdadeiro erro da maioria absoluta das mulheres? Ei-lo : achar que o fato de amar implica, obrigatoriamente, a felicidade. Quem ama, pensa que vai ser felicíssimo ; e estranha qualquer espécie de sofrimento . Ora, a vida ensina, justamente, que duas criaturas que se amam, sofrem , fatalmente. Não por culpa de um ou de outro; mas em consequência do próprio sentimento. É exato que os amores tem seus êxtases deslumbrantes , momentos perfeitos , musicais, etc, etc. Mas eu disse "momentos" e não as 24 horas de cada dia. Quando uma mulher apaixonada se queixa, eu tenho a vontade de fazer-lhe a seguinte pergunta: "Não lhe basta amar? Você quer, ainda por cima, ser feliz?". Pois o destino , quando concede a graça inefável do amor ,subtrai uma série de outras coisas. Antes de mais nada, o sossego. Quem ama, não tem sossego, perde-o , para sempre. A intensidade de qualquer amor é , por si mesma, trágica."
( Nelson Rodrigues , ops, Myrna num de seus conselhos amorosos ).
( Nelson Rodrigues , ops, Myrna num de seus conselhos amorosos ).
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
A Borra do Café - Mario Benedetti
" Só numa ocasião a praia Capurro, em geral tão desprezada , ficou cheia de gente e de bicicletas. Foi quando o dirigível passou por aqui. O Graf Zeppelin. Aquela espécie de liguiçona prateada, imóvel no espaço, foi considerada admirável, quase mágica por todo o mundo adulto; para nós, em compensação, era uma coisa normal. Mais ainda: o assombro dos adultos nos parecia bobo. Vê-los todos de boca aberta, olhando para cima, provocava em nós um riso tão contagioso que aos poucos foi se transformando na gargalhada de toda uma geração. Os pais , tios e avós sentiram-se tão ofendidos com as risadas que os tapas e beliscões começaram a chover sobre as nossas frágeis anatomias. Uma injustiça histórica que jamais vamos esquecer."
( trecho do capítulo "O dirigível e o Dândi )
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Verão - J.M. Coetzee
" Se os africanos eram eles, quem era nós ? os africânderes ?
Não. Nós era principalmente a gente de cor. É um termo que eu só uso com relutância , para abreviar . Ele - Coetzee - evitava esse termo o quanto podia. Eu mencionei o utopismo dele. Evitar esse termo era outro aspecto desse utopismo. Ele ansiava por um dia em que todo mundo na África do Sul não se chamasse de nada , nem de africano, nem de europeu, nem de branco, nem de negro , nem de nada, em que as histórias familiares estivessem tão emaranhadas e misturadas que as pessoas fossem etnicamente indistinguíveis, ou seja - pronuncio de novo essa palavra maldita - de cor. Ele chamava isso de futuro brasileiro. Ele aprovava o Brasil e os brasileiros. Claro que nunca tinha estado no Brasil."
( Sophie - professora em entrevista ao biógrafo inglês Vincente )
domingo, 20 de novembro de 2011
Pedro e Tina ( uma amizade muito especial ) - Stephen Michael King
"Cada vez que Pedro tentava escrever uma linha reta...
Ela saia toda torta.
Quando todos à sua volta olhavam para cima...
Pedro olhava para baixo.
Se ele achava que ia fazer um dia lindo e ensolarado...
Chovia.
Um dia, de manhã bem cedo, quando estava andando de costas contra o vento,
Pedro deu um encontrão em Tina.
Tina fazia tudo certinho.
Ela nunca amarrava errado os cordões de seus sapatos
nem virava o pão com a manteiga para baixo.
Ela sempre se lembrava do guarda-chuva e sabia muito bem escrever seu nome.
Pedro ficava encantado com tudo que Tina fazia.
Então, Tina mostrou a ele a diferença entre direito e esquerdo,
entre a frente e as costas,
e que o céu era em cima e o chão era embaixo.
Um dia, eles resolveram construir uma casa na árvore.
Tina fez um desenho para que a casa ficasse bem firme em cima da árvore.
Pedro juntou uma porção de coisas para enfeitar a casa.
Eles acharam muito engraçado.
Bem no fundo, Tina gostaria que tudo que ela fizesse não fosse tão perfeito.
Então, Pedro lhe arranjou um casaco e um chapéu que não combinavam.
Depois, ensinou Tina a andar de costas e a dar cambalhotas.
Eles rolaram morro abaixo...
E juntos aprenderam a voar.
Pedro e Tina são amigos inseparáveis...
até debaixo d´água,
e para sempre."
( as palavras são belíssimas mas sem as imagens não dá para imaginar a beleza do livro, texto e ilustrações maravilhosas! recomendo...).
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Ausências - Mario Benedetti
" Justamente por causa do mau tempo, não puderam ficar no pátio. Carmela disse: "Vamos para a cozinha, que eu te faço um café." Então, ela vigiava a cafeteira , de costas para Fabián, ele a viu tão frágil, tão indefesa , tão tomada por um medo inútil, que também se sentiu frágil, mas principalmente comovido. Sem pensar duas vezes, aproximou-se da moça e a abraçou por trás. Mas o abraço não foi tão apertado, que a impedisse de virar e encará-lo.
Ele começou a beijar seus olhos , de novo em lágrimas, e quando chegou à boca, ainda de lábios cerrados, sentiu que alguma coisa estava acontecendo com ele. E com ela, que, pouco a pouco e como à própria revelia , foi entreabrindo os lábios até receber o beijo com ansiedade e tristeza. Ele teve suficiente presença para estender um braço e desligar a cafeteira , que começava a transbordar, mas com o outro começou a desabotoar aquela bata branca, sempre impecável, que era como o uniforme de Carmela. Entregou-se, meio resignada, mas quando Fabián acabou de tirar sua bata, ela cruzou os braços sobre o peito e repetiu várias vezes: "Não sei, não sei, não sei."
"Sabe sim", ele disse e acabou de despi-la. Então ela o abraçou, mas ainda não como uma resposta amorosa, e sim para ocultar sua nudez de Fabián e de si mesma. Ele a pegou no colo ( era tão leve ) e a levou para dentro da casa. Deduziu que em algum lugar devia haver uma cama, mas teve de achá-la por conta própria. Ela estava ocupada demais com seus escrúpulos para servir de guia.
Quando ele, também sem roupa, enfim se deitou a seu lado, ela fez um alerta honesto, um necessário aviso aos navegantes: "Sou virgem". Fabián limitou-se a sussurrar ao seu ouvido: "A virgindade faz mal á saúde, sabia?" Ela achou graça naquela saída extemporânea , sorriu para si mesma e só então relaxou, desfrutando das carícias e acariciando."
( do maravilhoso conto Ausências do livro Correio do Tempo - Mario Benedetti ).
Ele começou a beijar seus olhos , de novo em lágrimas, e quando chegou à boca, ainda de lábios cerrados, sentiu que alguma coisa estava acontecendo com ele. E com ela, que, pouco a pouco e como à própria revelia , foi entreabrindo os lábios até receber o beijo com ansiedade e tristeza. Ele teve suficiente presença para estender um braço e desligar a cafeteira , que começava a transbordar, mas com o outro começou a desabotoar aquela bata branca, sempre impecável, que era como o uniforme de Carmela. Entregou-se, meio resignada, mas quando Fabián acabou de tirar sua bata, ela cruzou os braços sobre o peito e repetiu várias vezes: "Não sei, não sei, não sei."
"Sabe sim", ele disse e acabou de despi-la. Então ela o abraçou, mas ainda não como uma resposta amorosa, e sim para ocultar sua nudez de Fabián e de si mesma. Ele a pegou no colo ( era tão leve ) e a levou para dentro da casa. Deduziu que em algum lugar devia haver uma cama, mas teve de achá-la por conta própria. Ela estava ocupada demais com seus escrúpulos para servir de guia.
Quando ele, também sem roupa, enfim se deitou a seu lado, ela fez um alerta honesto, um necessário aviso aos navegantes: "Sou virgem". Fabián limitou-se a sussurrar ao seu ouvido: "A virgindade faz mal á saúde, sabia?" Ela achou graça naquela saída extemporânea , sorriu para si mesma e só então relaxou, desfrutando das carícias e acariciando."
( do maravilhoso conto Ausências do livro Correio do Tempo - Mario Benedetti ).
Bolsa de viagens curtas - Mario Benedetti
"Querida : quando parti, quando por fim resolvi partir, porque já não conseguia conviver com os antídotos do medo, e sentia que aos poucos começava a odiar minhas esquinas prediletas e as árvores encurvadas , e já não tinha tempo nem vontade de me refugiar no caramanchão do bairro de Flores , e os amigos de sempre começaram a ser de nunca , e havia mais cadáveres nos lixões que nas funerárias , então abri a bolsa das viagens curtas ( embora soubesse que essa ia ser longa ) e comecei a enfiar nela lembranças ao acaso, objetos insignificantes , mas de valor afetivo, imagens sintéticas do feliz, letras que juntas narravam sofrimentos , últimos abraços na primeira fronteira , anoiteceres sem ângelus e com tamboriladas , sorrisos que tinham sido caretas e vice-versa, esmorecimentos e coragens, enfim , uma antologia da ninharia que o vento do hábito não tinha conseguido varrer da face da guerra.
Com essa bolsa das viagens curtas andei por lá e mais além, por aqui e mais aquém. Ás vezes trabalhava com as mãos ágeis e os olhos enxutos, para ganhar o pão, o vinho, o teto e o colchão. No entanto, com a bolsa de viagens curtas não tinha uma relação íntima. Eu sabia que ela dormia no fundo de um armário , desconjuntado pelo tempo e pelas traças. Mas para que me enfrentar a um passado em pílulas , umas nutrientes e outras envenenadas?
Contudo, aos domingos, quando a solidão virava silêncio insuportável, vez por outra eu tirava a bolsa do armário e puxava alguma lembrança de dentro dela; só uma por vez, para não me atordoar. Foi assim que me caiu nas mãos um livro que foi de cabeceira e que eu devo ter lido umas vinte vezes , mas agora me meti em várias de suas páginas e ele não me disse nada , não me perguntou nem respondeu nada, como se não fosse meu. Portando, o joguei fora.
Outro domingo, resgatei uma foto agora feita sépia e lá estavam vários personagens que ocuparam um lugarzinho na minha vida. Dois deles nem imagino onde estarão; um se mantém fiel a si mesmo; três encontraram certa noite uma morte com dragonas ; outros dois se tornaram, com o tempo, finos, elegantes delatores , e hoje gozam do respeito da amnésia pública.O último sou eu , mas também sou outro, quase não me reconheço, talvez porque se me enfrento ao espelho não estou em sépia . Pensando bem, é uma foto acabada, vencida. Portanto, joguei fora.
Outro domingo, tirei da bolsa um relógio à prova d´água e de choque. É de uma boa marca suíça , mas estava parado num crono-símbolo, ou seja, a hora, o minuto e o segundo em que, em plena rua , abateram o Venâncio, você sabe quem é , nesse tempo foi meu Greenwich.
Para que vou querer um relógio que só cronometra e fixa a desgraça? Portanto, o joguei fora.
Domingo após domingo fui esvaziando a bolsa: canivetes, canetas, óculos escuros, recortes de jornais, calmantes , agendas, passaportes vencidos, mais fotos, cartas de amigos e inimigos. A verdade é que tudo foi me parecendo velho , inexpressivo, calado, desconexo, precário.
No entanto, ontem, domingo, meti outra vez minha mão naquele poço do passado, e ela saiu com uma coisa tua: teu lenço de seda azul, aquele em que em três das quatro estações rodeava teu pescoço bonito , jovem, que eu tanto amava. Eles acabaram com você, e eu estou insuportavelmente só. Te mataram no meu lugar. É duro admitir, caralho, que você é minha morte suplente.
Portanto, dessa vez vou jogar fora minha pobre bolsa para viagens curtas e ficar só com teu lenço azul.
Vou te guardar comigo para a viagem longa."
( a exceção de todos, esse é completo e todas as vezes que eu o leio, encontro uma beleza que vicia, uma tristeza tão bem desenhada...).
conto completo "Bolsa de viagens curtas" incluído no livro "Correio do tempo" - Mario Benedetti
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Sobre Tchékhov - Máximo Górki
" A . Tchékhov viveu a vida toda com os recursos da sua alma, sempre foi ele mesmo e livre por dentro, nunca tomava em consideração aquilo que uns esperavam de Anton Pávlovitch , e outros mais rudes, exigiam. Não gostava das conversas sobre "altas matérias", conversas com as quais o homem russo distrai-se com tanto afinco, esquecendo-se de que é ridículo e nada espirituoso entrar em divagações sobre os futuros ternos quando não se pode ter nem uma calça decente no presente.
Sendo simples de uma maneira bonita, ele gostava de tudo simples, verdadeiro, sincero, e tinha seu meio original de fazer com que as pessoas se tornassem simples."
"Não conheci ninguém que sentisse a importância do trabalho como a base da cultura, de modo tão profundo e sob todos os aspectos, como Anton Pávlovitch. Isso se manifestava em todas as miudezas da vida doméstica , na escolha de objetos e no amor nobre a esses objetos que, excluindo totalmente o desejo de acumulá-los , não se cansa de admirá-los como produto da criação do espírito humano. Gostava de construir coisas, cultivar jardins , embelezar a terra; ele sentia a poesia do trabalho. Com que preocupação comovente ele observava como cresciam em seu pomar as árvores frutíferas e os arbustos decorativos plantados por ele! Dizia, quando cuidava dos afazeres da construção de sua casa em Autka :
_Se cada pessoa fizesse o máximo possível no seu terreninho, como seria bela a nossa terra!"
" Pode-se escrever muito sobre Tchékhov, só que é preciso escrever dele minuciosa e nitidamente , o que eu não sei fazer. Seria bom escrever sobre ele assim como ele escreveu "A estepe", um conto aromático, leve e tão russo em sua melancolia contemplativa . Um conto para si mesmo.
Faz bem se lembrar desse homem, pois na hora o ânimo volta a entrar em sua vida e ela ganha sentido e clareza.
O homem é o eixo do mundo.
E - dizem - os vícios - não seriam defeitos seus?
Todos nós somos famintos de amor ao homem e, quando se tem fome, mesmo um pão mal-assado alimenta e é gostoso."
( como eu adoraria ter conhecido esse escritor ...)
( TRês Russos e Como me Tornei um Escritor - Máximo Górki ).
Sendo simples de uma maneira bonita, ele gostava de tudo simples, verdadeiro, sincero, e tinha seu meio original de fazer com que as pessoas se tornassem simples."
"Não conheci ninguém que sentisse a importância do trabalho como a base da cultura, de modo tão profundo e sob todos os aspectos, como Anton Pávlovitch. Isso se manifestava em todas as miudezas da vida doméstica , na escolha de objetos e no amor nobre a esses objetos que, excluindo totalmente o desejo de acumulá-los , não se cansa de admirá-los como produto da criação do espírito humano. Gostava de construir coisas, cultivar jardins , embelezar a terra; ele sentia a poesia do trabalho. Com que preocupação comovente ele observava como cresciam em seu pomar as árvores frutíferas e os arbustos decorativos plantados por ele! Dizia, quando cuidava dos afazeres da construção de sua casa em Autka :
_Se cada pessoa fizesse o máximo possível no seu terreninho, como seria bela a nossa terra!"
" Pode-se escrever muito sobre Tchékhov, só que é preciso escrever dele minuciosa e nitidamente , o que eu não sei fazer. Seria bom escrever sobre ele assim como ele escreveu "A estepe", um conto aromático, leve e tão russo em sua melancolia contemplativa . Um conto para si mesmo.
Faz bem se lembrar desse homem, pois na hora o ânimo volta a entrar em sua vida e ela ganha sentido e clareza.
O homem é o eixo do mundo.
E - dizem - os vícios - não seriam defeitos seus?
Todos nós somos famintos de amor ao homem e, quando se tem fome, mesmo um pão mal-assado alimenta e é gostoso."
( como eu adoraria ter conhecido esse escritor ...)
( TRês Russos e Como me Tornei um Escritor - Máximo Górki ).
domingo, 16 de outubro de 2011
Histórias de Cronópios e de Famas - Júlio Cortázar
Viagens
"Quando os famas saem em viagem, seus costumes ao pernoitarem numa cidade são os seguintes: um fama vai ao hotel e indaga cautelosamente os preços, a qualidade dos lençóis e a cor dos tapetes. O segundo se dirige á delegacia e lavra uma ata declarando os móveis e imóveis dos três, assim como o inventário do conteúdo de suas malas. O terceiro fama vai ao hospital e copia as listas dos médicos de plantão e suas especializações.
Terminadas estas providências , os viajantes se reúnem na praça principal da cidade, comunicam-se suas observações e entram no café para beber um apiritivo.Mas antes eles se seguram pelas mãos e dançam em roda. Esta dança recebe o nome de Alegria dos famas.
Quando os cronópios saem em viagem, encontram os hotéis cheios, os trens já partiram , chove a cântaros e os táxis não querem levá-los ou lhes cobram preços altissímos. Os cronópios não desanimam porque acreditam piamente que estas coisas acontecem com todo mundo, e na hora de dormir dizem uns aos outros: "Que bela cidade, que belissima cidade." E sonham a noite toda que na cidade há grandes festas e que eles foram convidados . E no dia seguinte levantam contentíssimos , e é assim que os cronópios viajam.
As esperanças, sedentárias , deixam-se viajar pelas coisas e pelos homens , e são como as estátuas, que é preciso vê-las, porque elas não vem até nós."
( eu quero ser um cronópio!).
"Quando os famas saem em viagem, seus costumes ao pernoitarem numa cidade são os seguintes: um fama vai ao hotel e indaga cautelosamente os preços, a qualidade dos lençóis e a cor dos tapetes. O segundo se dirige á delegacia e lavra uma ata declarando os móveis e imóveis dos três, assim como o inventário do conteúdo de suas malas. O terceiro fama vai ao hospital e copia as listas dos médicos de plantão e suas especializações.
Terminadas estas providências , os viajantes se reúnem na praça principal da cidade, comunicam-se suas observações e entram no café para beber um apiritivo.Mas antes eles se seguram pelas mãos e dançam em roda. Esta dança recebe o nome de Alegria dos famas.
Quando os cronópios saem em viagem, encontram os hotéis cheios, os trens já partiram , chove a cântaros e os táxis não querem levá-los ou lhes cobram preços altissímos. Os cronópios não desanimam porque acreditam piamente que estas coisas acontecem com todo mundo, e na hora de dormir dizem uns aos outros: "Que bela cidade, que belissima cidade." E sonham a noite toda que na cidade há grandes festas e que eles foram convidados . E no dia seguinte levantam contentíssimos , e é assim que os cronópios viajam.
As esperanças, sedentárias , deixam-se viajar pelas coisas e pelos homens , e são como as estátuas, que é preciso vê-las, porque elas não vem até nós."
( eu quero ser um cronópio!).
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Manoel por Manoel
" Eu tenho um ermo enorme bem dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba . Mas não havia vizinho . Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto . Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual um filhote de gafanhoto. Cresci brincando no chão, entre formigas . De uma infância livre e sem comparamentos . Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança , a gente faz comunhão : de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças , de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas . Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor."
( o doce Manoel de Barros no livro Memórias Inventadas - Terceira Infância )
terça-feira, 9 de agosto de 2011
Amuleto - Roberto Bolãno
"Ai, lembrar disso me faz rir. Que vontade de chorar! Estou chorando? Vi tudo e, ao mesmo tempo, não vi nada. Entendem o que quero dizer? Sou a mãe de todos os poetas e não permiti ( ou o destino não permitiu ) que o pesadelo me desmontasse. As lágrimas agora escorrem por minhas faces estragadas. Eu estava na faculdade naquele 18 de setembro em que o exército violou a autonomia e entrou no campus para prender ou matar todo o mundo. Não. Na Universidade não houve muitos mortos. Foi em Ilatelolco. Esse nome há de ficar em nossa memória para sempre! Mas eu estava na faculdade quando o exército e os granadeiros entraram e baixaram o cacete na gente.Coisa mais incrível. Eu estava no banheiro, num dos banheiros de um dos andares da faculdade, o quarto, creio, não posso precisar.Estava sentada na latrina , com a sia arregaçada, como diz o poema ou a canção, lendo aquelas poesias tão delicadas de Pedro Garfias, que tinha morrido fazia um ano, dom Pedro tão melancólico, tão triste da Espanha e do mundo em geral, quem iria imaginar que eu estaria lendo no banheiro justo no momento em que aqueles granadeiros babacas entravam na universidade. Acho, permitam-me este inciso, que a vida está repleta de coisas enigmáticas, pequenos acontecimentos que só estão esperando o contato epidérmico , nosso olhar para se desencadearem numa série de fatos causais que, depois, vistos através do prisma do tempo, não podem deixar de produzir em nós assombro e espanto. De fato, graças a Pedro Garfias, aos poemas de Pedro Garfias e a meu inveterado vício de ler no banheiro , fui a última a saber que os granadeiros tinham entrado, que o exército tinha violado a autonomia universitária e que, enquanto minhas pupilas percorriam os versos daquele espanhol morto no exército , os soldados e granadeiros estavam preenchendo e baixando o cacete em todo o mundo que encontravam pela frente, sem que importasse sexo ou idade, condição civil ou status adquiridos ( ou presenteado ) no intrincado mundo das hierarquias universitárias."
( Auxilio Lacouture , artista meio hippie e louca, imigrante uruguaia, andarilha - personagem inspirada na pintora Alcira, que de fato escapou da repressão ao se esconder por semanas no banheiro feminino de um dos andares da Faculdade de Filosofia e Letras em setembro de 1.968 ).
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Meu Tio - Jean - Claude Carrière - romance baseado no filme de Jacques Tati
" Cortar, torrar, adoçar, apimentar, salgar, pressionar e arrumar, cortar, torrar...sanduíches e petits-fours, pernil de cordeiro recheado, presunto cru, presunto cozido e presunto light, fatias de tomate, um pouco de gema de ovo e salada verde...
Geladeira abarrotada, cozinha trepidante, especiarias, condimentos, azeitonas pretas, azeitonas verdes e pepinos em conserva...Bandejas estreitas, engradados, cavaletes, cubos de gelo se chocando, vidros e canudinhos, cinzeiros , pratinhos, garfinhos, faquinhas, guadanapinhos de papel...
O chá, o suco de frutas, a água mineral, as mesinhas para copos, contar cadeiras, recontar...Cortar, tostar, adoçar, apimentar, salgar...
- Georgette!!
- Pois não, senhora.
-Preciso de ajuda! Não vê que assim eu nunca vou terminar?! Você deixa tudo para eu fazer, é inacreditável! Charles ! A campainha!
- Onde?
- No portão, oras! Me ajude !
Meu pai abandonando o cestinho e o alicate, ligou o chafariz e abriu o portão. Apareceu um árabe na entrada do jardim, lá longe, um vendedor de tapetes carregando retalhos coloridos.
Eu mesmo, naquele dia, me deixei levar por aquela confusão toda.
- Pode deixar - disse meu pai, cortando o jato do chafariz.
- O que é ?
- Nada, nada. Não se preocupe.
O árabe estava plantado imóvel na entrada do jardim. Agitava de leve a mercadoria, mas não dava para entender o que estava dizendo: tinha muito barulho na casa.
Meu pai berrou:
-Não, não precisamos de nada!
O árabe cabeça-dura não ia embora e continuava a sacudir os tapetes flamejantes.
-Não,não vamos comprar tapetes! - berrou meu pai, levemente nervoso. - O que o senhor quer?...Mas eu já disse...Já temos tudo!...Como? ...Não estou ouvindo! Como? Oh!
Vi meu pai empalidecer e entendi na mesma hora que ele.
Ele se ergueu com desespero até o botão do chafariz e disse, na direção da cozinha:
- É a vizinha..."
( o pai confundindo a vizinha com um vendedor árabe e ainda tantas outras confusões que ainda aconteceriam na garden-party que a mãe de Gérard estava preparando. Um livro leve e divertido, uma delícia !! ).
Geladeira abarrotada, cozinha trepidante, especiarias, condimentos, azeitonas pretas, azeitonas verdes e pepinos em conserva...Bandejas estreitas, engradados, cavaletes, cubos de gelo se chocando, vidros e canudinhos, cinzeiros , pratinhos, garfinhos, faquinhas, guadanapinhos de papel...
O chá, o suco de frutas, a água mineral, as mesinhas para copos, contar cadeiras, recontar...Cortar, tostar, adoçar, apimentar, salgar...
- Georgette!!
- Pois não, senhora.
-Preciso de ajuda! Não vê que assim eu nunca vou terminar?! Você deixa tudo para eu fazer, é inacreditável! Charles ! A campainha!
- Onde?
- No portão, oras! Me ajude !
Meu pai abandonando o cestinho e o alicate, ligou o chafariz e abriu o portão. Apareceu um árabe na entrada do jardim, lá longe, um vendedor de tapetes carregando retalhos coloridos.
Eu mesmo, naquele dia, me deixei levar por aquela confusão toda.
- Pode deixar - disse meu pai, cortando o jato do chafariz.
- O que é ?
- Nada, nada. Não se preocupe.
O árabe estava plantado imóvel na entrada do jardim. Agitava de leve a mercadoria, mas não dava para entender o que estava dizendo: tinha muito barulho na casa.
Meu pai berrou:
-Não, não precisamos de nada!
O árabe cabeça-dura não ia embora e continuava a sacudir os tapetes flamejantes.
-Não,não vamos comprar tapetes! - berrou meu pai, levemente nervoso. - O que o senhor quer?...Mas eu já disse...Já temos tudo!...Como? ...Não estou ouvindo! Como? Oh!
Vi meu pai empalidecer e entendi na mesma hora que ele.
Ele se ergueu com desespero até o botão do chafariz e disse, na direção da cozinha:
- É a vizinha..."
( o pai confundindo a vizinha com um vendedor árabe e ainda tantas outras confusões que ainda aconteceriam na garden-party que a mãe de Gérard estava preparando. Um livro leve e divertido, uma delícia !! ).
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
A Maleta Do Meu Pai - Orhan Pamuk
" Mas a literatura nunca é uma preocupação apenas nacional. O escritor que se recolhe e antes de mais nada empreende uma viagem para dentro de si mesmo haverá de descobrir ao longo dos anos a regra eterna da literatura: é preciso ter o talento de contar as próprias histórias como se fossem histórias dos outros, e contar as histórias dos outros como se fossem suas, porque é isso a literatura. Mas antes é preciso viajar pelas histórias e pelos livros de outros."
( trecho do discurso da cerimônia de entrega do prêmio nobel de literatura de 2007).
" O anjo da inspiração ( que visita regularmente alguns e raramente outros ) favorece os escritores dotados de esperança e confiança, e é quando o escritor se sente mais só, quando ele mais duvida dos seus esforços, dos seus sonhos e do valor do que escreve - quando acha que a sua história é só a sua história - é em momentos assim que o anjo decide revelar-lhe histórias, imagens e sonhos que irão evocar o mundo que ele pretende construir. Quando penso nos livros a que dediquei toda minha vida, o que mais me surpreende são esses momentos em que eu sentia que as frases, os sonhos e as páginas que me deixavam tão arrebatado de felicidade não vinham da minha imaginação, que era outro poder que as encontrava e, generoso, me presenteava com elas."
( muitas vezes me senti sozinha enquanto escrevia meu projeto de um livro infantil e também várias vezes achava que minhas histórias eram apenas minhas, sem nada de especial e quando me senti assim tão sozinha fui agraciada com esse anjo e ele me abençoou! Lindos depoimentos nesse livro de Orhan Pamuk , que homenageia seu pai ).
GRande Sertão : Veredas - João Guimarães Rosa
" Diz que direi ao senhor o que nem tanto é sabido : sempre que se começa a ter amor a alguém , no ramerrão , o amor pega e cresce é porque , de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na ideia , querendo e ajudando, mas , quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente inteiriço fatal, carente de querer, e é um facear com as surpresas. Amor desse , cresce primeiro; brota é depois."
" Aquela mandante amizade. Eu não pensava em adiação nenhuma, de pior propósito. Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Diga o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego. Era ele estar por longe, e eu só nele pensava. E eu mesmo não entendia então o que aquilo era? Sei que sim. Mas não. E eu mesmo entender não queria. Acho que. Aquela meiguice, desigual que ele sabia esconder o mais de sempre. E em mim a vontade de chegar todo próximo, quase uma ânsia de sentir o cheiro do corpo dele, dos braços, que ás vezes adivinhei insensatamente - tentação dessa eu esparecia, aí rijo comigo renegava. Muitos momentos."
" Todos os sucedidos acontecendo , o sentir forte da gente - o que produz os ventos. Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Deus é que me sabe. O Reinaldo era Diadorim - Mas Diadorim era um sentimento meu."
( As filosofias de amor de Riobaldo - que achei tão lindas...)
terça-feira, 28 de junho de 2011
Baleia - GRaciliano Ramos
" Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes."
( trecho de Vidas Secas sobre a cadelinha Baleia que inicialmente era conto, depois capítulo e por fim a personagem mais carismática do livro, a que mais gosto ).
quarta-feira, 22 de junho de 2011
O Porco do Morin - Guy de Maupassant
" Nós estávamos sós, completamente sós, Rivet e o tio haviam desaparecido numa curva da alameda, e eu fiz uma longa declaração,longa, doce, apertando e beijando-lhe os dedos. Ela escutava aquilo como uma coisa agradável e nova, sem saber ao certo no que deveria acreditar.
Eu acabei por me sentir oprimido, trêmulo, e suavemente, enlaceia-a pela cintura.
Eu lhe falava baixinho. Ela parecia morta, de tão cismada que estava.
Depois sua mão encontrou a minha e apertou-a , eu fui encerrando lentamente o seu talhe num trêmulo e crescente abraço, ela não se movia absolutamente, eu roçava a sua face com a minha boca, e de súbito os meus lábios sem procurar encontraram os seus. Foi um longo , interminável beijo, e teria durado ainda muito tempo , se eu não tivesse ouvido um significativo "hum-hum" a alguns passos atrás de mim.
Ela fugiu por debaixo das árvores. Eu me voltei e avistei Rivet, que vinha ao meu encontro."
( Labarbe narrando um de seus encontros com Henriette , no conto "O Porco do Morin" - um dos meus favoritos do Maupassant . )
Eu acabei por me sentir oprimido, trêmulo, e suavemente, enlaceia-a pela cintura.
Eu lhe falava baixinho. Ela parecia morta, de tão cismada que estava.
Depois sua mão encontrou a minha e apertou-a , eu fui encerrando lentamente o seu talhe num trêmulo e crescente abraço, ela não se movia absolutamente, eu roçava a sua face com a minha boca, e de súbito os meus lábios sem procurar encontraram os seus. Foi um longo , interminável beijo, e teria durado ainda muito tempo , se eu não tivesse ouvido um significativo "hum-hum" a alguns passos atrás de mim.
Ela fugiu por debaixo das árvores. Eu me voltei e avistei Rivet, que vinha ao meu encontro."
( Labarbe narrando um de seus encontros com Henriette , no conto "O Porco do Morin" - um dos meus favoritos do Maupassant . )
quarta-feira, 8 de junho de 2011
Caetés - Graciliano Ramos - Mais um trechinho...
" -Uma perfeição, o rio , murmurei. Muito branco, cheio de pedras, e largo, um rio que faz gosto. É trabalho seu, d. Marta? E aqueles patinhos de celulóide dão uma graça...Que rio será esse, d. Josefa? É o Amazonas?
Elas aventuraram que talvez fosse o Jordão.
- O Jordão? É verdade, deve ser o Jordão. Onde foi que Jesus nasceu? Em Nazaré...ou em Belém...O Jordão fica por essas bandas. As senhoras sabem se ele passa por Nazaré...ou por Belém? Em todo o caso deve passar perto, o Amazonas, que doidice! É o Jordão, sem dúvida. Pois sim senhoras, um Jordão excelente.
Receberam o elogio, sérias."
"Ia neste ponto, esfregava as mãos e procurava meio de escapar-me , quando Luísa chegou à porta, em companhia de d. Engrácia, d. Priscilla e Vitorino. A Teixeira, que veio pouco depois, apontou-me com um gesto cômico:
-Por aqui, em adoração. Estava lá embaixo, no bazar, chorando com febre.Quis por força ver o presépio, tanto fez que o trouxemos. Sabe muito : a geografia da Palestina e o Evangelho.
Luísa atirou-me um olhar de desprezo, tive a impressão de que em mim havia um desmoronamento. Nada opus aos gracejos da Teixeira."
( João Valério faz- me rir... )
Elas aventuraram que talvez fosse o Jordão.
- O Jordão? É verdade, deve ser o Jordão. Onde foi que Jesus nasceu? Em Nazaré...ou em Belém...O Jordão fica por essas bandas. As senhoras sabem se ele passa por Nazaré...ou por Belém? Em todo o caso deve passar perto, o Amazonas, que doidice! É o Jordão, sem dúvida. Pois sim senhoras, um Jordão excelente.
Receberam o elogio, sérias."
"Ia neste ponto, esfregava as mãos e procurava meio de escapar-me , quando Luísa chegou à porta, em companhia de d. Engrácia, d. Priscilla e Vitorino. A Teixeira, que veio pouco depois, apontou-me com um gesto cômico:
-Por aqui, em adoração. Estava lá embaixo, no bazar, chorando com febre.Quis por força ver o presépio, tanto fez que o trouxemos. Sabe muito : a geografia da Palestina e o Evangelho.
Luísa atirou-me um olhar de desprezo, tive a impressão de que em mim havia um desmoronamento. Nada opus aos gracejos da Teixeira."
( João Valério faz- me rir... )
Caetés - Graciliano Ramos
"De repente levantei-me, fui á sala de jantar , chamei :
- Ó d. Maria José, faça o favor. A senhora sabe como se prepara uma buchada?
Ela veio, paciente, enxugando os dedos no avental:
- Sei. O senhor quer comer buchada ?
- Não. Isso é comida de selvagem. Os caetés. Depois lhe conto.
- Mas que interesse...
- É história comprida. Preciso saber como se cozinha um homem. Como é, d. Maria ?
- Um homem? Está aí! Foi o conhaque.
E voltou-me as costas.
- Espera lá criatura.Quem lhe falou em homem? Um bode , é claro, um carneiro.Tira-se o couro do bicho, esquarteja-se . Até aí eu sei.Como é o resto?
- Lava-se tudo muito bem lavado, começou a hospedeira desconfiada.
- Exatamente, numa gamela, já ouvi dizer.E viram-se as tripas pelo aveso com uma vara, também já ouvi dizer. Mas os caetés não tinham higiene.
- Como?
- Uma observação à-toa.Continue.
- É só, está pronto.
- Pronto o quê, d. Maria? A senhora não está vendo que ninguém vai comer aquilo cru?
Ela forneceu-me algumas noções, que reputei preciosas.
- Muito obrigado, d. Maria José. Vou preparar o Sardinha pela sua receita e misturo tudo com pirão de farinha de mandioca. Fica uma porcaria.
- O senhor não quer tomar uma xícara de café sem açúcar?
- Eu? pensa que estou bêbedo? Estou no meu tino perfeito. A propósito, que horas são?
- Cinco. Os outros não devem tardar.
- Cinco? Será possível? Ora veja. A arte é coisa admirável.Com a preocupação de arranjar o jantar dos índios , esqueci o meu jantar.Pois eles que esperem, não comem hoje. E traga-me o conhaque. Deus lhe pague, d. Maria.A senhora acaba de prestar um grande serviço á pátria."
( o personagem João Valério em uma de suas inspirações para escrever seu romance "Caetés" ).
terça-feira, 7 de junho de 2011
Manuelzão e Miguilim - João Guimarães Rosa
" Mesmo assim, enquanto esteve fora, só com tio Terêz, Miguilim padeceu tanta saudade de todos e de tudo, que ás vezes nem conseguia chorar e ficava sufocado."
" Você acha que a gente devia de fazer promessa aos santos, para ficar gostando de parentes?"
"Dito, vamos ficar nós dois sempre um junto com o outro, mesmo quando a gente crescer, toda a vida?" "Pois vamos".
"Miguilim , você é meu amigo". - "Amigo grande, feito gente grande, tio Terêz?" "É sim, Miguilim. Nós somos amigos.Você tem mais juízo do que eu..."
( alguns trechos de "Manuelzão e Miguilim" de João Guimarães Rosa )
quinta-feira, 26 de maio de 2011
os passos do ser humano - Yasunari Kawabata
" Os passos de uma mulher que, rindo, um pouco encabulada, passam por cima de alguma coisa; os pés de um morimbundo que expira, e se endurecem depois de um movimento espasmódico; as pernas de quem monta e tem coxas magras devido à barriga do cavalo; as pernas gordas e inertes como gordura de baleia jogada no chão, mas que, às vezes, conseguem se contrair com uma força terrível; as pernas estropiadas de um mendigo que, quando chega meia-noite,se levanta de repente e as estica; as perninhas perfeitas do bebê que acaba de nascer dentre as pernas de sua mãe; os pés cansados como a vida de um assalariado que volta para casa depois do serviço; os pés que atravessam o vau de um rio e sugam, dos tornozelos ao ventre, a sensação da água cristalina; os pés em busca do amor caminhando em ângulo agudo, como as dobras marcadas pelas calças apertadas; os pés de uma adolescente intrigada, pois as pontas de seus pés até ontem eram viradas para fora, cada uma para o seu lado,mas hoje se encontram, delicadamente, sem o menor esforço; os pés de mulher despudorada que se refrescam, livres de meias , após retornarem da rua; as belas pernas no palco, que tomam o lugar da consciência da bailarina e lamentam os pecados da noite passada; os pés de um homem num café que faz seus calcanhares cantarem a canção de abandonar sua mulher; os pés que sentem a tristeza pesada e a alegria leve; os pés do desportista, do poeta, do agiota, da dama, da nadadora, da estudante. - E, sobretudo, os pés da sua esposa."
( trecho do conto Os Passos do Ser Humano incluído no livro Contos da Palma da Mão - Yasunari Kawabata ).
( trecho do conto Os Passos do Ser Humano incluído no livro Contos da Palma da Mão - Yasunari Kawabata ).
quarta-feira, 20 de abril de 2011
Alugo Palavras - Miguel Sanches Neto
" Amortecedores Amanda S/A
amor dores
amor tece
amor tece dores
tece dores
amor tecem"
( uma das poesias mais lindas de todas do livro Alugo Palavras - Miguel Sanches Neto )
segunda-feira, 18 de abril de 2011
Viagem - Graciliano Ramos
_ Para nós, brasileiros , essa história de um homem beijar outro é meio ridícula.
_ Aqui isso é raro, explicou-me a sra. Nikolskaya. Com o beijo, o homem quer dizer que entrega a sua alma inteiramente ao amigo."
( 6 - setembro -1952 )
" As duas palavras me perseguiam : " Terra luminosa". Não me referia à luz que dourava as nódoas claras da pedra, jogava cintilações no profundo azul das águas . De fato nem pensava na terra : pensava nos indivíduos, e parecia-me enxergar, além da beleza exterior, uma beleza interior. Essa luz brincava nos olhos das raparigas, na alegria serena dos velhos, no sorriso das crianças. Alterei a frase: "Almas luminosas".
( Buenos Aires - 5 - outubro- 1952 )
( trechos de Viagem - livro póstumo de Graciliano Ramos onde relata sua viagem à antiga União Soviética, no começo da década de 1950 ).
sexta-feira, 11 de março de 2011
chá das cinco com o vampiro - Miguel Sanchez Neto
" Subi o largo da Ordem vendo jovens que se beijavam com um desespero de quem vai morrer em breve e não pode esperar. Essa paixão doída dos adolescentes me comove cada vez mais, parece que o amor só é possível nessa intensidade na adolescência, quando contamos com a morte iminente.
Depois percebemos que ela demora, que a pessoa que amávamos tanto tem pequenos defeitos, que podemos muito bem ficar um dia sem ela, e uma semana de ausência não será tão terrível assim e, de repente, passaram-se dez anos e a falta dela é uma agulha que anda pelo corpo e só nos fisga em determinados momentos e sempre em lugares diferentes."
Depois percebemos que ela demora, que a pessoa que amávamos tanto tem pequenos defeitos, que podemos muito bem ficar um dia sem ela, e uma semana de ausência não será tão terrível assim e, de repente, passaram-se dez anos e a falta dela é uma agulha que anda pelo corpo e só nos fisga em determinados momentos e sempre em lugares diferentes."
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Água Viva - Clarice Lispector - II
" Sinto agora mesmo o coração batendo desordenadamente dentro do peito. É a reivindicação porque nas últimas frases andei pensando somente á tona de mim. Então o fundo da existência se manifesta para banhar e apagar os traços do pensamento. O mar apaga os traços das ondas na areia. Oh Deus, como estou sendo feliz. O que estraga a felicidade é o medo. Fico com medo. Mas o coração bate. O amor inexplicável faz o coração bater mais depressa. A garantia única é que eu nasci. Tu és uma forma de ser eu, e eu uma fora de te ser: eis os limites de minha possibilidade.
Estou numa delícia de se morrer dela. Doce quebranto ao te falar . Mas há a espera. A espera é sentir-se voraz em relação ao futuro. Um dia disseste que me amavas. Finjo acreditar e vivo, de ontem para hoje, em amor alegre. Mas lembrar-se com saudade é como se despedir de novo."
( Água Viva - Clarice Lispector ).
Estou numa delícia de se morrer dela. Doce quebranto ao te falar . Mas há a espera. A espera é sentir-se voraz em relação ao futuro. Um dia disseste que me amavas. Finjo acreditar e vivo, de ontem para hoje, em amor alegre. Mas lembrar-se com saudade é como se despedir de novo."
( Água Viva - Clarice Lispector ).
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Água Viva - Clarice Lispector
" ...... eu o vi de repente e era um homem tão extraordinariamente bonito e viril que eu senti uma alegria de criação. Não é que eu o quisesse para mim assim como não quero para mim o menino que vi com cabelos de arcanjo correndo atrás da bola. Eu queria somente olhar. O homem olhou um instante para mim e sorriu calmo: ele sabia quanto era belo e sei que sabia que eu não o queria para mim. Sorriu porque não sentiu ameaça alguma.É que os seres excepcionais em qualquer sentido estão sujeitos a mais perigos do que o comum das pessoas. Atravessei a rua e tomei um táxi. A brisa arrepiava-me os cabelos da nuca. E eu estava tão feliz que me encolhi no canto do táxi de medo porque a felicidade dói. E isto tudo causado pela visão do homem bonito. Eu continuava a não querê-lo para mim - gosto é das pessoas um pouco feias e ao mesmo tempo harmoniosas, mas ele de certo modo dera-me muito com o sorriso de camaradagem entre pessoas que se entendem. Tudo isso eu não entendia."
( Água Viva - Clarice Lispector )
( Água Viva - Clarice Lispector )
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Hóspede Secreto - Miguel Sanches Neto
" Soltei o corpo e, esparramado no chão, comecei a chorar.
Chorei por vários minutos, como se fosse criança. Chorei tudo que eu não tinha chorado na vida. Chorei as lágrimas que engoli no enterro da mãe, chorei a saudade, sua falta.Chorei como órfão indefeso.
Não comi, não tomei banho, não assisti tevê. Embora o relógio já tenha há muito anunciado meia-noite,permaneço aqui na sala, as luzes apagadas, um sabor de sal nos lábios secos,sozinho, cansado, mas de um cansaço diferente daquele que sempre busquei.
De um cansaço para o resto da vida."
( do conto "O Bom Filho" do livro Hóspede Secreto - Miguel Sanches Neto ).
Chorei por vários minutos, como se fosse criança. Chorei tudo que eu não tinha chorado na vida. Chorei as lágrimas que engoli no enterro da mãe, chorei a saudade, sua falta.Chorei como órfão indefeso.
Não comi, não tomei banho, não assisti tevê. Embora o relógio já tenha há muito anunciado meia-noite,permaneço aqui na sala, as luzes apagadas, um sabor de sal nos lábios secos,sozinho, cansado, mas de um cansaço diferente daquele que sempre busquei.
De um cansaço para o resto da vida."
( do conto "O Bom Filho" do livro Hóspede Secreto - Miguel Sanches Neto ).
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