terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Viérotchka - Anton Tchekhov

" Amolecido, Ogniov beijou , mais uma vez o velho e começou a descer a escada. No último degrau, voltou a cabeça e perguntou :
_ Ainda nos veremos um dia?
_ Deus sabe! - respondeu o velho.- Provavelmente nunca!
_Sim, é verdade! Não se consegue atraí-lo a São Petersburgo nem com pão de leite, e eu dificilmente virei  parar mais uma vez neste distrito. Bem, adeus!
_Deveria deixar aqui os livros! - gritou-lhe Kuznietzov. - Para que precisa carregar esse peso? Eu mandaria para a sua casa amanhã, por um criado.
Mas Ogniov não o ouvia mais, afastando-se rapidamente da casa. A sua alma, aquecida pelo álcool, estava ao mesmo tempo alegre, tépida e triste...Caminhando, pensava em quão frequentemente encontra-se na vida gente boa e como é lamentável que esses encontros não deixem nada, além de recordações. Acontece aparecerem num repente cegonhas no horizonte, a brisa ligeira traz os seus gritos entre tristonhos e eufóricos ,e, num instante depois, por mais avidamente que fixemos a vista nos longes azuis, não vemos um ponto, não ouvimos um som sequer : assim também as pessoas, com os seus semblantes, as suas falas, aparecerem ligeiramente na vida e submergem em nosso passado, não deixando mais que as pegadas insignificantes da memória. Vivendo desde a primavera no distrito de N. e visitando quase diariamente os cordiais Kuznietzov, Ivan Alieksiéitch acostumou-se como um parente ao velho, á filha, aos criados, aprendeu a conhecer até nos mínimos detalhes toda a casa, o terraço aconchegado , as curvas das alamedas do jardim, as silhuetas das árvores sobre a cozinha e a casa dos banhos; mas daqui a um instante ele passará o portão, e tudo isso se transformará em recordação, perdendo para sempre a significação real, e, passados ainda um ano ou dois, todas essas imagens queridas hão de empalidecer na consciência, a par das invenções e dos frutos da fantasia.
"Na vida, não existe nada mais caro que as pessoas!", pensava emocionado Ogniov, caminhando pela alameda, em direção ao porão. "Nada!"

( trecho do conto Viérotchka - do livro As Três Irmãs e contos - Anton P. Tchekhov )

Um comentário:

  1. Que engraçado, eu também costumo selecionar trechos que me encantam nos livros que leio. E neste conto de Tchékhov, foi exatamente esta a passagem que selecionei! O interessante é ver que as traduções são distintas.
    Dá uma olhada lá www.enquantopalavra.wordpress.com
    Gostei do seu blog. Vou visitá-lo mais vezes.

    Lucas de Nardi

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