" A velha governanta morrera durante o inverno.Ninguém se preocupava mais com o caso;somente eu pensava naquilo sem parar.
O que tinham feito da mulher? Ela havia escapado através dos bosques?! Haviam-na recolhido em algum lugar e posto num hospital sem que se pudesse lhe tirar nenhuma informação? Nada conseguia diminuir minhas dúvidas.Mas aos poucos o tempo apaziguou o tormento do meu coração.
Ora, no outono seguinte, as perdizes vieram em massa,e, como minha gota me dava uma folga,me arrastei até a floresta.Tinha matado já uns quatro ou cinco bichinhos, quando abati um que quase desapareceu numa vala cheia de galhos.Fui obrigado a descer lá para apanhar minha presa.Encontrei-a caída ao lado da cabeça de um morto.E bruscamente a lembrança da louca me veio ao peito como um soco. Muitos outros , talvez, tinham desaparecido naqueles bosques durante aquele ano sinistro;mas não sei por que eu tinha certeza,certeza absoluta - eu lhe garanto -, que encontrava a cabeça daquela miserável alienada.
E de súbito compreendi,adivinhei tudo.Eles a tinham abandonado sobre o colchão, na floresta gelada e deserta; e fiel à sua ideia fixa, ela se deixara morrer sob o espesso cobertor de neve, sem nem mesmo mover o braço ou a perna.
Depois os lobos a devoraram.
E os pássaros fizeram seus ninhos com a lã do colchão despedaçado.
Eu guardei aquela triste ossada.E faço votos de que nossos filhos não vejam jamais uma guerra."
( Trecho de "A Louca" - 125 contos de Guy de Maupassant )