sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Cemitério de Pianos - José Luiz Peixoto


"_ Em princípio, telefonamos ainda hoje.Telefonamos logo que o seu marido falecer."
Foi assim que a enfermeira disse.Sem reparar talvez que a minha mulher já não era ninguém.Sem reparar que as palavras que lhe dizia se perdiam sem eco dentro da sua escuridão.
Ás nove horas da noite,o telefone tocou.O telefone tocou durante um momento que foi muito longo,porque ninguém o queria atender,porque todos tinham medo de o atender.O telefone tocou.O som atravessou a casa e o peito da minha mulher,da Maria e do Francisco.Quem atendeu foi o marido da Maria.
_Sim,sim.Está bem.Eu digo - Aproximou-se dos meus filhos e da minha mulher e disse-lhes.
O Hermes tinha acabado de nascer.
As palavras foram:
_Nasceu o menino da Marta.
O Hermes tinha acabado de nascer.
No hospital, A Marta estava a descansar.E ninguém sabia como ficar feliz,mas a felicidade era tão forte e crescia de dentro deles.Era como se tivessem uma nascente de água no peito e a felicidade fosse essa água.Houve um milagre que fez lágrimas.E tinham as mãos pousadas sobre o peito.Tinham as pálpebras fechadas muito devagar sobre os olhos para sentirem a chuva branda dessa felicidade que os cobria,inundava.
Passou uma hora.O telefone tocou de novo.
Eu tinha acabado de morrer.

( passagem narrada pelo personagem Lázaro - Cemitério de Pianos - José Luiz Peixoto )

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.