quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll


"Sim,íamos à escola no mar,embora você talvez não acredite.."
"Nunca falei que não acredito!",interrompeu Alice.
"Falou sim", disse a Tartaruga Falsa.
"Cale-se!",acrescentou o Grifo,antes que Alice pudesse falar de novo.A Tartaruga Falsa continuou.
"Tivemos a melhor das educações...na verdade,íamos à escola todos os dias..."
"Eu também já frequentei uma escola diária",disse Alice."Não precisa se orgulhar tanto disso."
"Com extras?",perguntou a Tartaruga Falsa,um pouco ansiosa.
"Sim",disse Alice,"estudávamos francês e música."
"E lavagem?", disse a Tartaruga Falsa.
"Claro que não!",disse Alice indignada.
"Ah! Então a sua escola não era realmente boa",disse a Tartaruga Falsa, num tom de grande alívio."Na nossa,eles tinham,no final do boletim,francês,música e lavagem-extra".
"Vocês não deviam precisar muito disso",disse Alice,"vivendo no fundo do mar."
"Eu não tinha os meios para fazer esse curso",disse a Tartaruga Falsa com um suspiro."Só fiz o curso regular."
"E qual era o curso regular?",perguntou Alice.
"Lerdear e Esquivar,para início de conversa",respondeu a Tartaruga Falsa,"e depois os diferentes ramos da Aritmética - Ambição, Distração,Amiudação e Derrisão".
"Nunca ouvi falar de 'Amiudação'",Alice se arriscou a dizer."O que é?"
O Grifo levantou as duas patas surpreso.
"Nunca ouviu falar de amiudar!",exclamou.
"Você sabe o que significa agrandar,não?"
"Sim",disse Alice em tom de dúvida."Significa...tornar...algo...maior".
"Bem, nesse caso",continuou o Grifo,"se não sabe o que é amiudação,você é uma pateta".

( trecho da conversa entre Alice,o Grifo e a Tartaruga Falsa - Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll )

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Na praia - Ian McEwan


"Quando pensava nela,parecia-lhe surpreendente que tivesse deixado aquela garota com seu violino ir embora.Agora,é claro,via que a proposta recatada que ela lhe fizera era totalmente irrelevante.Tudo aquilo que ela precisava era da certeza do amor dele,e da sua garantia de que não havia pressa,pois tinham a vida pela frente.Amor e paciência - se pelo menos ele tivesse conhecido ambos ao mesmo tempo - certamente os teriam ajudado a vencer as dificuldades.E que dizer das crianças que poderiam ter tido,e da menininha com um arco no cabelo que poderia ter se tornado sua filha querida?É assim que todo o curso de uma vida pode ser desviado - por não se fazer nada.Na praia de Chesil,ele poderia ter gritado o nome de Florence,poderia ter ido atrás dela.Ele não sabia,ou não teria querido saber,que,enquanto ela fugia,certa na sua dor de que o estava perdendo,nunca o amara tanto,ou mais desesperadamente,e que o som da voz dele teria sido seu resgate,e que ela teria voltado atrás.Em vez disso,ele permaneceu num silêncio frio e honrado,na penumbra do verão, a observá-la em sua precipitação ao longo da orla,o som do seu avanço difícil perdendo-se entre o das pequenas ondas a quebrar na praia,até ela ser apenas um ponto borrado,desaparecendo na estrada estreita e infinita de seixos brilhando sob a luz pálida."

( Na Praia - Ian McEwan )

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Cemitério de Pianos - José Luiz Peixoto


"_ Em princípio, telefonamos ainda hoje.Telefonamos logo que o seu marido falecer."
Foi assim que a enfermeira disse.Sem reparar talvez que a minha mulher já não era ninguém.Sem reparar que as palavras que lhe dizia se perdiam sem eco dentro da sua escuridão.
Ás nove horas da noite,o telefone tocou.O telefone tocou durante um momento que foi muito longo,porque ninguém o queria atender,porque todos tinham medo de o atender.O telefone tocou.O som atravessou a casa e o peito da minha mulher,da Maria e do Francisco.Quem atendeu foi o marido da Maria.
_Sim,sim.Está bem.Eu digo - Aproximou-se dos meus filhos e da minha mulher e disse-lhes.
O Hermes tinha acabado de nascer.
As palavras foram:
_Nasceu o menino da Marta.
O Hermes tinha acabado de nascer.
No hospital, A Marta estava a descansar.E ninguém sabia como ficar feliz,mas a felicidade era tão forte e crescia de dentro deles.Era como se tivessem uma nascente de água no peito e a felicidade fosse essa água.Houve um milagre que fez lágrimas.E tinham as mãos pousadas sobre o peito.Tinham as pálpebras fechadas muito devagar sobre os olhos para sentirem a chuva branda dessa felicidade que os cobria,inundava.
Passou uma hora.O telefone tocou de novo.
Eu tinha acabado de morrer.

( passagem narrada pelo personagem Lázaro - Cemitério de Pianos - José Luiz Peixoto )