"Passei a juventude em cidades fabris e seus respectivos subúrbios , em meio a tijolos, fuligem , colunas de fumaça e ruas calçadas de pedra. Quando a viagem era curta, íamos de bonde ; quando era longa, íamos de trem. Comprávamos comida fresca para cada refeição, não porque fôssemos gourmets, mas porque não tínhamos geladeira ( itens menos perecíveis eram guardados num porão improvisado ). Minha mãe se levantava de manhã, no frio, e acendia o fogo na pequena fornalha da sala de estar. A água encanada tinha sempre a mesma temperatura: gélida. Nossa comunicação era por correio e ficávamos sabendo das notícias principalmente pelos jornais ( mas éramos modernos, pois tínhamos um rádio, mais ou menos do tamanho de um arquivo ). Nas primeiras salas de aula que frequentei havia fornaças arredondadas e carteiras duplas, com tinteiros embutidos, nos quais molhávamos nossas penas. Nós, os meninos, usávamos calças curtas até a cerimônia de
communion solennelle, quando completávamos 12 anos. E assim por diante. Mas isso não era um local fora do mapa, nos Cárpatos; refiro-me à Europa Ocidental no pós-guerra, onde "pós-guerra" foi uma época que se estendeu por quase vinte anos."*
Essa descrição da região industrial da Valônia na década de 1950, feita pelo escritor belga Luc Sante, bem poderia ser aplicada à maior parte da Europa Ocidental naqueles anos. O presente autor, que cresceu depois da guerra no bairro de Putney, em Londres, lembra-se de visitas frequentes a uma loja de doces em que trabalhava uma anciã encarquilhada que o repreendia, dizendo-lhe que vendia "doces a meninos como você desde o Jubileu de Ouro da Rainha" - i.e. , desde 1887: ela se referia à rainha Vitória, evidentemente.
*Luc Sante, The Factory of Facts ( A Fábrica dos Fatos - 1998, pág. 27 )