quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Filomena Firmeza - Patrick Modiano


"Neva hoje em Nova York. Pela janela do meu apartamento, na rua 59 , vejo o prédio em frente onde fica a escola de dança que eu dirijo. Por trás da fachada envidraçada, as alunas de collant terminam suas pontas, meias-pontas e entrechats .
Minha filha, que trabalha como minha assistente , mostra a elas um passo de jazz, para descontrair.
Daqui a pouco vou me juntar a elas.
Entre as alunas, há uma menina que usa óculos. Ela os deixou sobre uma cadeira antes de começar a aula, como eu fazia com essa mesma idade nas aulas da senhora Dismailova. Não se dança de óculos. Eu me lembro de que, na época da senhora Dismailova, eu treinava durante o dia para conseguir ficar sem os óculos. O contorno das pessoas e das coisas perdia a nitidez, tudo se tornava desfocado, até os sons pareciam mais abafados. O mundo, quando eu os via sem os óculos, perdia a aspereza. Ficava tão suave e macio quanto um travesseiro fofo no qual encostava o rosto e terminava de adormecer.
- Está sonhando com o quê, Filomena? - papai me perguntava. - Você deveria pôr os óculos.
Eu obedecia e tudo retomava a rigidez e a precisão costumeiras. De óculos, eu via o mundo tal como ele era. Não podia mais sonhar."