" A . Tchékhov viveu a vida toda com os recursos da sua alma, sempre foi ele mesmo e livre por dentro, nunca tomava em consideração aquilo que uns esperavam de Anton Pávlovitch , e outros mais rudes, exigiam. Não gostava das conversas sobre "altas matérias", conversas com as quais o homem russo distrai-se com tanto afinco, esquecendo-se de que é ridículo e nada espirituoso entrar em divagações sobre os futuros ternos quando não se pode ter nem uma calça decente no presente.
Sendo simples de uma maneira bonita, ele gostava de tudo simples, verdadeiro, sincero, e tinha seu meio original de fazer com que as pessoas se tornassem simples."
"Não conheci ninguém que sentisse a importância do trabalho como a base da cultura, de modo tão profundo e sob todos os aspectos, como Anton Pávlovitch. Isso se manifestava em todas as miudezas da vida doméstica , na escolha de objetos e no amor nobre a esses objetos que, excluindo totalmente o desejo de acumulá-los , não se cansa de admirá-los como produto da criação do espírito humano. Gostava de construir coisas, cultivar jardins , embelezar a terra; ele sentia a poesia do trabalho. Com que preocupação comovente ele observava como cresciam em seu pomar as árvores frutíferas e os arbustos decorativos plantados por ele! Dizia, quando cuidava dos afazeres da construção de sua casa em Autka :
_Se cada pessoa fizesse o máximo possível no seu terreninho, como seria bela a nossa terra!"
" Pode-se escrever muito sobre Tchékhov, só que é preciso escrever dele minuciosa e nitidamente , o que eu não sei fazer. Seria bom escrever sobre ele assim como ele escreveu "A estepe", um conto aromático, leve e tão russo em sua melancolia contemplativa . Um conto para si mesmo.
Faz bem se lembrar desse homem, pois na hora o ânimo volta a entrar em sua vida e ela ganha sentido e clareza.
O homem é o eixo do mundo.
E - dizem - os vícios - não seriam defeitos seus?
Todos nós somos famintos de amor ao homem e, quando se tem fome, mesmo um pão mal-assado alimenta e é gostoso."
( como eu adoraria ter conhecido esse escritor ...)
( TRês Russos e Como me Tornei um Escritor - Máximo Górki ).
se eu pudesse leria todos os livros que gosto pra ti, como não posso, escrevo as palavras encantadas que me encantaram.
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
domingo, 16 de outubro de 2011
Histórias de Cronópios e de Famas - Júlio Cortázar
Viagens
"Quando os famas saem em viagem, seus costumes ao pernoitarem numa cidade são os seguintes: um fama vai ao hotel e indaga cautelosamente os preços, a qualidade dos lençóis e a cor dos tapetes. O segundo se dirige á delegacia e lavra uma ata declarando os móveis e imóveis dos três, assim como o inventário do conteúdo de suas malas. O terceiro fama vai ao hospital e copia as listas dos médicos de plantão e suas especializações.
Terminadas estas providências , os viajantes se reúnem na praça principal da cidade, comunicam-se suas observações e entram no café para beber um apiritivo.Mas antes eles se seguram pelas mãos e dançam em roda. Esta dança recebe o nome de Alegria dos famas.
Quando os cronópios saem em viagem, encontram os hotéis cheios, os trens já partiram , chove a cântaros e os táxis não querem levá-los ou lhes cobram preços altissímos. Os cronópios não desanimam porque acreditam piamente que estas coisas acontecem com todo mundo, e na hora de dormir dizem uns aos outros: "Que bela cidade, que belissima cidade." E sonham a noite toda que na cidade há grandes festas e que eles foram convidados . E no dia seguinte levantam contentíssimos , e é assim que os cronópios viajam.
As esperanças, sedentárias , deixam-se viajar pelas coisas e pelos homens , e são como as estátuas, que é preciso vê-las, porque elas não vem até nós."
( eu quero ser um cronópio!).
"Quando os famas saem em viagem, seus costumes ao pernoitarem numa cidade são os seguintes: um fama vai ao hotel e indaga cautelosamente os preços, a qualidade dos lençóis e a cor dos tapetes. O segundo se dirige á delegacia e lavra uma ata declarando os móveis e imóveis dos três, assim como o inventário do conteúdo de suas malas. O terceiro fama vai ao hospital e copia as listas dos médicos de plantão e suas especializações.
Terminadas estas providências , os viajantes se reúnem na praça principal da cidade, comunicam-se suas observações e entram no café para beber um apiritivo.Mas antes eles se seguram pelas mãos e dançam em roda. Esta dança recebe o nome de Alegria dos famas.
Quando os cronópios saem em viagem, encontram os hotéis cheios, os trens já partiram , chove a cântaros e os táxis não querem levá-los ou lhes cobram preços altissímos. Os cronópios não desanimam porque acreditam piamente que estas coisas acontecem com todo mundo, e na hora de dormir dizem uns aos outros: "Que bela cidade, que belissima cidade." E sonham a noite toda que na cidade há grandes festas e que eles foram convidados . E no dia seguinte levantam contentíssimos , e é assim que os cronópios viajam.
As esperanças, sedentárias , deixam-se viajar pelas coisas e pelos homens , e são como as estátuas, que é preciso vê-las, porque elas não vem até nós."
( eu quero ser um cronópio!).
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Manoel por Manoel
" Eu tenho um ermo enorme bem dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba . Mas não havia vizinho . Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto . Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual um filhote de gafanhoto. Cresci brincando no chão, entre formigas . De uma infância livre e sem comparamentos . Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança , a gente faz comunhão : de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças , de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas . Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor."
( o doce Manoel de Barros no livro Memórias Inventadas - Terceira Infância )
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