se eu pudesse leria todos os livros que gosto pra ti, como não posso, escrevo as palavras encantadas que me encantaram.
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Notícias do mês de maio
"É tempo de arraso,a batida
no falso Museu da Espécie,
aqui estão as notícias
Maio 68 Maio 68
O poema do dia o efêmero e recorrente fogo de artifício
ardendo na França e na Alemanha
no Rio em Buenos Aires em Lima e em Santiago
os estudantes em assalto
em Praga e em Milão em Zurique e em Marselha
os estudantes cheios de pombos de pólvora
os estudantes que erguem com suas mãos nuas
os paralelepípedos de cimento e estatística
para apedrejar o Grande Costume
e na ordenada cibernética
abrir de par em par janelas como seios."
"Exagerar já é um começo de invenção"
(inscrição na Faculdade de Letras de Paris,maio de 1968 )
"Meus Desejos São a Realidade"
(Nanterre)
"Desabotoe Seu Cérebro Tantas Vezes Quanto a Braguilha"
( Teatro Odeon,Paris )
"Sexo,Tudo Bem,Disse Mao,Mas Não Tão Frequente"
(Faculdade de Letras,Paris )
"Sejam Realistas: Peçam o Impossível."
( Faculdade de Letras,Paris )
" A Revolução é Incrível Porque é Verdadeira"
( Faculdade de Letras,Paris )
"Amai-vos uns sobre os outros."
( Faculdade de Letras,Paris )
" Decreto o Estado De Felicidade Permanente"
( Faculdade de Ciências Políticas,Paris )
"Sim,nossos sonhos
mais uma vez os sonhos batendo como galhos na tempestade
nas janelas cegas
mais uma vez os sonhos
a certeza de que Maio
pôs no ventre da noite
um sêmen de canção de tocha a chamada
terna e selvagem do amor que olha ao longe
para inventar a alvorada o horizonte."
"Dormindo se Trabalha Melhor: Formem Comitê de Sonhos."
(Sorbonne)
( Notícias de Maio - Último Round - Tomo I - Julio Cortázar )
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
A Dama do cachorrinho - Anton P. Tchekhov
"Passaria um mês,mais ou menos,e Ana Sierguéievna,tinha a impressão,cobrir-se-ia de bruma em sua memória, e somente de raro ia aparecer-lhe em sonho, com seu tocante sorriso,tal como outras apareciam.No entanto, decorreu mais de um mês chegaram os rigores do inverno,mas tudo permanecia nítido na memória,como se a separação de Ana Sierguéievna tivesse sido na véspera.E as recordações tornavam-se cada vez mais intensas.Quer lhe chegassem ao escritório, em meio à quietude do anoitecer, as vozes das crianças, que preparavam a lição, quer ouvisse um órgão ou uma canção no restaurante, o vento soprasse na lareira, tudo ressuscitava, de repente, em sua memória: o que sucedera no quebra-mar, o amanhecer com aquela névoa sobre as montanhas, o navio chegando de Feodóssia,os beijos.Passava muito tempo caminhando pelo quarto e recordando,sorria e, depois, as lembranças transformavam-se,em sua imaginação,ao que viria ainda.Não sonhava mais com Ana Sierguéievna, ela o acompanhava por toda parte,como uma sombra , e vigiava-o.Fechando os olhos,via-a e ela parecia mais bonita,mais jovem,mais terna do que fora realmente; e ele próprio aparecia melhor do que tinha sido naqueles dias de Ialta. Ao anoitecer, ela o espreitava de dentro do armário de livros,da lareira, do canto da sala, ele ouvia sua respiração,o frufru carinhoso de suas roupas.Na rua, acompanhava mulheres com o olhar,procurando alguma que a ela se assemelhasse..."
( A Dama do Cachorrinho e outros contos - Anton P. Tchekhov )
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
As Relações Perigosas - Choderlos de Laclos
"...Consagro-me a isso por inteiro; a partir deste momento eu me dou a vós e não tereis, de minha parte, nem recusas nem lamentos.Foi com essa candura ingênua ou sublime que ela me ofereceu sua pessoa e seus encantos e aumentou minha felicidade,partilhando-a. A embriaguez foi completa e recíproca.E pela primeira vez, a minha sobreviveu ao prazer. Só saí de seus braços para cair a seus pés e jurar-lhe um amor eterno;e,deve-se confessar tudo,acreditava no que dizia.Finalmente,mesmo depois de nos separarmos,sua lembrança não me largava e tive necessidade de trabalhar para me distrair."
Paris,neste 29 de outubro de 17**
( Carta CXXV do Visconde de Valmont à Marquesa de Marteuil )
( As Relações Perigosas - Choderlos de Laclos )
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Aquela voz - Ítalo Calvino
"Aquela voz certamente vem de uma pessoa única,inimitável como qualquer pessoa,porém uma voz não é uma pessoa,é algo de suspenso no ar,destacado da solidez das coisas.Também a voz é única e inimitável,mas talvez num outro modo diferente da pessoa:poderiam voz e pessoa ,não se parecer.Ou então assemelhar-se de um modo secreto, que não se vê á primeira vista: a voz poderia ser o equivalente daquilo que a pessoa tem de mais oculto e de mais verdadeiro.É um você próprio sem corpo que escuta aquela voz sem corpo?Então que você a escute de fato ou a relembre ou a imagine,não faz diferença.
Contudo,você quer que seja o seu próprio ouvido a perceber aquela voz,portanto o que o atrai não é somente uma lembrança ou uma fantasia mas a vibração de uma garganta de carne.Uma voz significa isso: existe uma pessoa viva,garganta,tórax,sentimentos,que pressiona no ar essa voz diferente de todas as outras vozes.Uma voz põe em jogo a úvula,a saliva, a infância,a pátina da existência vivida, as intenções da mente,o prazer de dar uma forma própria ás ondas sonoras.O que o atrai é o prazer que esta voz põe na existência - na existência como voz - , mas esse prazer o conduz a imaginar o modo como a pessoa poderia ser diferente de qualquer outra tanto quanto é diferente a voz."
( trecho do conto Um Rei à Escuta do livro Sob o Sol-Jaguar - Ítalo Calvino )
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